Cientistas observaram chimpanzés no Uganda a tratar as suas feridas e as de outros membros do grupo, admitindo que os cuidados de saúde entre estes primatas possam ser mais generalizados do que se pensava, indica um estudo divulgado hoje.
Num comunicado sobre o trabalho, a editora científica Frontiers refere que as informações obtidas podem ajudar a explicar “como é que os nossos antepassados começaram a tratar feridas e a usar medicamentos”.
“A nossa investigação ajuda a iluminar as raízes evolutivas da medicina humana e dos sistemas de saúde”, afirma Elodie Freymann, da Universidade de Oxford, primeira autora do artigo publicado na revista Frontiers in Ecology and Evolution, citada no comunicado.
Freymann é investigadora associada do Centro de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano, da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade do Algarve, sendo também investigadora do ICArEHB a portuguesa Susana Carvalho, diretora de Paleoantropologia e Primatologia do Parque Nacional da Gorongosa, que também participa no estudo.
Os cientistas estudaram duas comunidades de chimpanzés, em Sonso e Waibira na floresta de Budongo, no Uganda, observaram cada uma delas durante quatro meses e, embora tal comportamento já tivesse sido visto noutros locais, neste caso foi assinalada a sua constância e o facto de os cuidados não se limitarem aos familiares próximos.
Como todos os chimpanzés, os membros destas comunidades são vulneráveis a ferimentos, causados por lutas, acidentes ou armadilhas montadas por humanos. Em Sonso, cerca de 40% de todos os indivíduos tinham feridas causadas por armadilhas.
Durante os períodos de observação direta, os investigadores registaram 12 ferimentos em Sonso, todos provavelmente causados por conflitos internos ao grupo, e cinco chimpanzés feridos em Waibira, uma fêmea devido a uma armadilha e quatro machos em lutas, tendo identificado mais casos de tratamento em Sonso do que em Waibira.
Foram documentados 41 casos de tratamento, 34 de autocuidado e sete a outros, considerados “cuidados pró-sociais”.
“O tratamento das feridas dos chimpanzés inclui várias técnicas: lambedura direta da ferida, que remove os resíduos e aplica os compostos antimicrobianos da saliva [que ajudam a evitar infeções]; lambedura dos dedos seguida de pressão na ferida; limpeza das folhas; mastigação de materiais vegetais e aplicação dos mesmos diretamente nas feridas”, enumera Freymann.
Adianta que foram igualmente documentados “comportamentos de higiene, incluindo a limpeza dos genitais com folhas após o acasalamento e a limpeza do ânus com folhas após a defecação — práticas que podem ajudar a prevenir infeções”.
A investigadora diz que todos os chimpanzés que mencionam nas suas tabelas de observação “mostraram recuperação dos ferimentos”, embora note que os cientistas não sabem qual teria sido o resultado se nada tivesse sido feito.
Dos sete casos de “cuidados pró-sociais”, quatro foram tratamento de feridas, dois de ajuda para sair de armadilhas e um caso em que um chimpanzé ajudou outro com a higiene, sendo que a assistência não era dada preferencialmente a um género ou faixa etária e foi prestada a indivíduos não relacionados geneticamente em quatro ocasiões.
“Estes comportamentos somam-se aos indícios vistos em outros locais de que os chimpanzés parecem reconhecer o que os outros necessitam e o seu sofrimento e tomam medidas deliberadas para os aliviar, mesmo quando não há vantagem genética direta”, indica a cientista.
Todas as plantas utilizadas pelos chimpanzés para os tratamentos foram identificadas. Várias delas revelaram propriedades químicas que podem melhorar a cicatrização de feridas e são utilizadas na medicina tradicional.
No entanto, os cientistas consideram que são necessárias mais análises farmacológicas para confirmar as suas propriedades medicinais e eficácia específica.
O estudo baseia-se igualmente em vídeos da base de dados do Great Ape Dictionary, diários contendo décadas de dados observacionais e um inquérito a outros cientistas que testemunharam chimpanzés a tratar doenças ou ferimentos.
Freyman alerta que o trabalho “tem algumas limitações metodológicas” e os cientistas pedem mais investigação sobre os contextos sociais e ecológicos em que os cuidados ocorrem e os indivíduos que os prestam e recebem.