Na zona antiga de Damasco, Ahmad viu-se forçado a encerrar por tempo indeterminado a sua loja de tecidos devido ao novo coronavírus, o que nunca tinha acontecido desde o início da guerra na Síria em 2011.
“Atravessámos momentos difíceis durante a guerra (…) Às vezes fechávamos, mas reabríamos pouco depois”, conta à agência France Presse o homem de 59 anos, sentado numa cadeira no passeio em frente à sua loja, numa rua agora deserta.
“Mas nunca na minha vida vi os mercados e as lojas a terem de fechar durante dias como agora”, adianta.
As ruas comerciais da velha Damasco, como noutras zonas na capital síria, estão praticamente vazias. No célebre mercado al-Hamidiyé, habitualmente cheio de gente, apenas alguns trabalhadores de macacão laranja e máscara de proteção pulverizam desinfetante, enquanto uns poucos transeuntes com máscara atravessam rapidamente as ruas.
No início da semana, Ahmad pediu aos seus empregados que ficassem em casa e entregou-lhes o salário.
As autoridades sírias, que registaram cinco casos de infeção da covid-19, ordenaram o encerramento do comércio não essencial, escolas, universidades, restaurantes e cafés, assim como a suspensão dos transportes públicos entre as províncias.
As instituições públicas estão com serviços mínimos e foi imposto um recolher obrigatório.
Nunca tais medidas foram decretadas pelo poder em nove anos de uma guerra devastadora que matou mais de 380.000 pessoas, deslocou milhões de outras e destruiu uma grande parte das infraestruturas, incluindo hospitais e centros de saúde.
“Talvez estejamos a enfrentar uma guerra de um género diferente”, comenta preocupado Ahmad, que designa a epidemia de “inimigo oculto”.
“Não sei como vamos viver sem trabalho”, diz o comerciante com três pessoas a cargo num país onde, segundo a ONU, 80% da população vive abaixo do limiar de pobreza.
Na velha Damasco, mesmo a célebre mesquita dos Omíadas encerrou as portas.
Não muito longe, Moustapha, 24 anos, com metade do rosto coberto por uma máscara e as mãos protegidas com luvas, dirige-se a uma farmácia.
“Damasco sempre manteve energia e vitalidade apesar da morte, dos bombardeamentos e das balas perdidas. Hoje está completamente paralisada”, afirma o jovem.
Bastião do regime, a capital síria foi alvo de atentados sangrentos e de ataques de ‘rockets’ mortíferos durante a guerra desencadeada pela repressão de manifestações pró-democracia.
Mas isso não impediu Moustapha de continuar os seus estudos. Agora, no entanto, arrisca-se a perder o seu último ano na universidade.
“Quando anunciaram o encerramento das universidades, percebi que estávamos em perigo”, adianta.
Várias organizações humanitárias temem uma “catástrofe” no caso de propagação em grande escala do novo coronavírus na Síria, onde pouco mais de 60% dos hospitais ainda funcionam e 70% do pessoal de saúde que existia antes da guerra fugiu, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Nas regiões sob controlo do regime de Bashar al-Assad (mais de 70% do território sírio), cidadãos decidiram mobilizar-se para ajudar face à covid-19.
Hussein Najjar, um médico de 37 anos, criou juntamente com colegas e especialistas a aplicação “Estetoscópio”, que permite aos utilizadores colocar questões sobre a epidemia e receber respostas de peritos.
O objetivo é sensibilizar o maior número de pessoas possível e ajudar a resolver a falta de recursos médicos”, explica Najjar.
Nos últimos anos, este médico tratou centenas de feridos e realizou mais de 200 operações, mas a batalha que trava atualmente é diferente.
“Desta vez o inimigo é desconhecido. Ataca silenciosamente”, indica.
Para Najar, o que é um pouco reconfortante, no entanto, é que a Síria “não está sozinha” nesta luta: “há outros países na linha da frente e nós beneficiaremos da sua experiência”.
“A batalha contra o coronavírus será total. Não temos escolha”, assinala.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais 505.000 pessoas em todo o mundo, das quais morreram cerca de 23.000.