Mais de 75% dos pedidos que chegaram à Rede de Emergência Alimentar, criada na sexta-feira, são de pessoas que antes da epidemia de Covid-19 não recebiam qualquer apoio, disse à Lusa Isabel Jonet, que lidera a iniciativa.
Até às 17:40 de hoje a Rede de Emergência Alimentar recebeu 651 pedidos de ajuda, 76% dos quais de pessoas que não recebiam qualquer apoio antes da epidemia de Covid-19, que está a provocar uma emergência social, deixando muitas pessoas sem apoio e colocando a outras a necessidade de o começar a receber, como apontou à Lusa Isabel Jonet.
Dos 651 pedidos, 13% são de pessoas que vivem sós, com idades entre os 22 e os 85 anos. 67% dos pedidos estão concentrados nos distritos de Lisboa e Setúbal. 56% dos pedidos são pessoas com crianças menores de 10 anos a cargo.
“Muitas destas pessoas que estão a pedir ficaram sem qualquer apoio”, disse à Lusa Isabel Jonet, que na sexta-feira à tarde colocou em atividade a Rede de Emergência Alimentar e desde então ainda não parou de receber novos pedidos.
Entre os novos pedidos estão pessoas que frequentavam formação do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), sem direito a subsídio de desemprego e que recebiam por cada dia de formação. Sem emprego, nem subsídio, nem formação, ficaram sem dinheiro.
“Estas são situações terríveis”, afirmou.
O Banco Alimentar contra a Fome, instituição à qual Isabel Jonet preside, apoiava antes da epidemia 2.600 instituições que ofereciam um conjunto de respostas sociais, algumas mais do que uma, tendo a funcionar, por exemplo, uma creche e um lar de idosos.
“Mais de metade fechou respostas sociais. Algumas tinham duas valências, mantiveram uma. Mesmo que nem todas tenham fechado, as respostas sociais foram reduzidas a 40% do que existia”, disse.
Alguns encerramentos, contou Isabel Jonet, foram abruptos, deixando completamente desprotegidos os utentes, mas consequentes com a necessidade de proteção das pessoas que prestavam apoio, como é o caso da Conferência de São Vicente de Paulo do Estoril, gerida por pessoas idosas, agora obrigadas a um confinamento para autoproteção.
De um dia para o outro, as 577 pessoas apoiadas encontraram uma porta fechada, sem aviso prévio nem explicações.
Perante a situação, a Rede de Emergência Alimentar procurou fazer um levantamento do estado atual dos apoios e encerramentos, para encaminhar os pedidos para aquelas que continuam em funcionamento e acionar, quando aplicável e necessário, as autarquias locais “para se substituir às instituições quando elas tiverem que fechar portas” ou quando a quebra no número de voluntários, por receios de contágio, obriguem a substitui-los.
“O que fizemos foi encaminhar as pessoas que ficaram sem ajudas para estas novas respostas e dando-lhes alimentos. Por outro lado, começaram a surgir muitos pedidos para encaminharmos para a zona de residência das pessoas, porque também não queremos grandes deslocações e que não se respeitem as regras de ficar em casa. Simultaneamente montámos uma rede de voluntários”, explicou Isabel Jonet, acrescentando que estes voluntários se deslocam em viatura própria para fazer entregas em casas de idosos, evitando que estes saiam.
Mas não foram apenas pedidos de ajuda que chegaram à rede de emergência: em poucos dias 175 pessoas voluntariaram-se para ajudar e algumas empresas fizeram donativos que permitem continuar a apoiar com alimentos as instituições e os seus beneficiários.
“Esperamos que as empresas se sensibilizem e que possam doar produtos. A Fundação do Futebol [uma organização de responsabilidade social da 1.ª liga de futebol nacional] deu 10 mil litros de leite. Realmente vamos precisar de recursos”, disse.
Hoje, apenas com o apelo colocado no site da iniciativa, compareceram nos armazéns de Alcântara do Banco Alimentar Contra a Fome sete voluntários, que ali estiveram a trabalhar, mantendo as devidas distâncias, e de luvas e máscaras, “mas contribuíram”, ressalvou Jonet.
A Rede de Emergência Alimentar funciona mediante inscrição das necessidades dos beneficiários numa plataforma informática.
A inscrição pode ser feita pelos próprios, familiares ou amigos, e os bens serão encaminhados para um ponto de entrega próximo da residência, por forma a acautelar as regras de segurança e a garantir que a alimentação continua a chegar aos cidadãos mais carenciados.
A iniciativa tem o apoio da Entreajuda e está coordenada com a Bolsa de Voluntariado.
O ponto de entrega da alimentação pode ser uma instituição de solidariedade social ou um local disponibilizado por autarquia acreditada.
Sob o lema "A Ajuda Não Pode Parar", pretende-se com essa ação "dar uma resposta estruturada" a uma realidade que se agrava todos os dias, de acordo com a organização, liderada por Isabel Jonet.
Em Portugal, há 23 mortes e 2.060 infeções confirmadas, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde.
Portugal encontra-se em estado de emergência desde as 00:00 de quinta-feira e até às 23:59 de 02 de abril.