Beatriz Maurício, a frequentar o mestrado em Ciências Gastronómicas da Nova FCT (Faculdade de Ciências e Tecnologia) leva sabor e apresentação à dieta hospitalar em Moçambique, projeto que já transformou a hora das refeições no Hospital Geral de Nacala.
"Parece que estamos no restaurante", diz a nutricionista e docente da Universidade Lúrio, em Nampula, descrevendo a reação dos doentes internados no hospital geral de Nacala, onde as portas se abriram para este projeto, desenvolvido a pensar na relação entre alimentação e saúde, em contexto hospitalar.
"Começámos por recriar as cinco refeições que o hospital servia, mas neste momento já elaborámos um manual de receitas, desenvolvendo 14 receitas com produtos locais e acessíveis", explica Beatriz Maurício, falando de pratos que vão desde a "feijoada com arroz ao guisado de frango, ou do caril de peixe com chima (massa de milho) ao peixe frito com esparguete".
Mas o primeiro desafio foi equipar o hospital com alguns materiais básicos "micro-ondas, porque a temperatura dos alimentos é importante, varinhas mágicas, liquidificadores e até bacias e panelas", numa extensa lista que inclui escamadores de peixe, tábuas de corte, copos medidores, peneiras e coadores, entre outros.
Para alcançar este objetivo, a nutricionista contou com doações de uma empresa local e lançou uma campanha online "Cozinhar com Dignidade", ainda disponível, além do seu próprio dinheiro e da ajuda financeira dos dois orientadores do mestrado.
A formação do pessoal da Unidade de Nutrição Alimentar do hospital geral de Nacala foi o passo seguinte, envolvendo tarefas como "a limpeza correta das mãos, o corte dos alimentos, a abordagem ao doente".
A nutricionista moçambicana refere procedimentos básicos, mas desconhecidos para alguns dos 13 colaboradores ( nutricionistas, cozinheiros e copeiros) como "um simples corte de juliana ou o corte correto da cebola ou ainda a substituição de alimentos como o feijão manteiga por feijão frade ou feijão ervilha, procurando sempre produtos da região e acessíveis".
Para Beatriz Maurício, este projeto vai muito para além da confeção de ementas saudáveis e nutritivas porque "cozinhar num hospital é cozinhar com um propósito, e eles devem entender que o seu trabalho é uma missão e precisam de entender ainda que este trabalho ajuda na melhoria daquele doente internado".
A aluna de mestrado realça a importância de um atendimento humanizado e digno que contribua para a satisfação e recuperação dos doentes.
Satisfeita com os resultados alcançados até agora, e com a reação dos doentes, diz que houve até quem "pedisse para ser fotografado durante a refeição" e que muitos disseram: "parece que estamos num restaurante".
A nutricionista, que frequenta o mestrado em Ciências Gastronómicas (o único em Portugal) do departamento de química da Nova FCT, com uma bolsa do instituto Camões, explica a escolha, por conciliar as três áreas que a definem "nutrição, gastronomia e bem estar da população".
Quanto ao hospital de Nacala, foi aquele que "abriu as portas", permitindo também um acompanhamento mais próximo, já que Beatriz Maurício é da região e exerce funções de docente na Universidade Lúrio, em Nampula.
A ambição é alargar o projeto a outros hospitais, sensibilizando o Governo de Moçambique para a importância destas intervenções na saúde pública.
"Eu gostava que o hospital de Nacala fosse um hospital de referência nos serviços de nutrição e dietética", diz Beatriz Maurício cujo objetivo é adaptar este modelo no país, desenvolvendo mais formações.
Lembrando que o seu projeto está alinhado com a política de segurança alimentar e nutricional, lançada em Moçambique, na qual se refere a necessidade de fortalecer e de melhorar a capacidade técnica dos provedores de saúde, a nutricionista admite um novo desafio: “Quando voltar, o meu desafio é procurar o Governo para tentarem perceber a importância deste trabalho. E poder continuar com mais formações".