A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) alertou hoje para falhas no diagnóstico de tuberculose nas crianças, sustentando que a utilização dos algoritmos da Organização Mundial de Saúde (OMS) “pode duplicar” o número dos doentes identificados.
Em comunicado, a MSF dá conta da investigação que realizou e que lhe permite concluir que “a utilização dos algoritmos de decisão de tratamento recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para o diagnóstico de tuberculose (TB) em crianças pode quase duplicar o número de crianças que podem iniciar o tratamento contra a TB, que salva vidas”.
Pede assim aos decisores políticos para agirem com urgência, determinando que aqueles algoritmos são utilizados nos seus países, bem como que “governos e doadores antecipem a necessidade de aumento da disponibilidade de medicamentos para evitar a falta de ‘stock’ dos mesmos”.
“Todas as crianças com tuberculose devem ter acesso ao tratamento necessário para lhes salvar a vida”, salienta a organização médica e humanitária.
Em 2024, “estima-se que 1,2 milhões de crianças e jovens adolescentes com menos de 15 anos tenham adoecido” com TB, “uma das doenças infecciosas mais mortais no mundo”, que causa a morte de uma criança “a cada três minutos”.
“Os testes de laboratório atualmente disponíveis são concebidos para adultos e não funcionam suficientemente bem em crianças”, explica, acrescentando que a maioria destes testes “requer uma amostra de expetoração, que as crianças têm dificuldade em produzir, e mesmo quando o conseguem, os baixos níveis bacterianos nos seus pulmões impossibilitam muitas vezes a deteção” ao nível laboratorial.
Os algoritmos da OMS “são sistemas de pontuação orientados que permitem aos médicos iniciar o tratamento da TB se os sintomas da criança forem fortemente indicativos da doença, mesmo que os testes laboratoriais não estejam disponíveis ou os resultados dos testes pareçam negativos”.
Na investigação TACTiC (Test, Avoid, Cure Tuberculosis in Children), realizada entre agosto de 2023 e outubro de 2025 em cinco países (Guiné, Níger, Nigéria, Sudão do Sul e Uganda), a MSF testou os algoritmos “em 1.846 crianças com menos de 10 anos, com sintomas indicativos de tuberculose pulmonar, incluindo crianças com desnutrição aguda grave e crianças que vivem com VIH”.
Foram identificadas corretamente a maioria das crianças com tuberculose e, em média, duplicou a proporção de crianças que puderam iniciar o tratamento para a tuberculose, assinala a organização.
"Antes, os profissionais de saúde dependiam da tosse e, enquanto as crianças não tossissem, pensavam que não tinham tuberculose", disse Angeline Dore, que participou no projeto TACTiC na Guiné, citada no comunicado.
“Os algoritmos da OMS dizem-nos agora para não confiarmos apenas na tosse, pois também existem outros sinais” da doença, acrescentou.
A agência de saúde das Nações Unidas reviu em 2022 “as orientações para o diagnóstico, tratamento e prevenção da tuberculose em crianças”, de acordo com “a informação científica mais recente”, mas muitos países ainda não seguem as novas diretrizes.
Segundo a MSF, o último relatório da OMS sobre a TB, divulgado na semana passada, “mostrou que 43% das crianças com tuberculose não foram diagnosticadas em 2024 e não puderam aceder ao tratamento que salva vidas".
“Muitas crianças com tuberculose ainda estão a passar despercebidas devido à ausência de ferramentas de diagnóstico eficazes”, afirmou Helena Huerga, investigadora principal do TACTiC, citada no comunicado.
“Os nossos resultados comprovam que os algoritmos de decisão de tratamento da OMS, para os quais não precisamos de resultados de exames laboratoriais para iniciar o tratamento da tuberculose em crianças, funcionam em contextos reais e podem potencialmente salvar muitas mais vidas de crianças se forem implementados. A ciência é clara – o que falta agora é a vontade política para a pôr em prática”, adiantou.
Os dados do estudo são divulgados na Conferência Mundial sobre Saúde Pulmonar a decorrer até sexta-feira em Copenhaga, na Dinamarca.