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Relator da ONU exorta UE a ter estratégia "audaz" para combater pobreza e desigualdades

LUSA
29-01-2021 14:53h

Um relator especial da ONU exortou hoje a União Europeia (UE) a ter uma estratégica de governança socioeconómica “audaz”, nomeadamente no período de recuperação pós-pandemia, para cumprir o compromisso de erradicar a pobreza e combater as desigualdades.

O apelo foi feito por Olivier De Schutter, um académico jurídico belga nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU como relator especial sobre pobreza extrema e direitos humanos, que hoje terminou uma visita oficial, que durou dois meses, às instituições da UE.

“Se a Europa quer ser pioneira no caminho para uma sociedade inclusiva, precisa de uma estratégia a nível europeu para lutar contra a pobreza que seja audaz, comprometendo-se a reduzir a pobreza em 50% por igual em todos os Estados-membros até 2030”, declarou Olivier De Schutter, numa intervenção na sessão plenária do Comité Económico e Social Europeu (CESE).

Na opinião do relator especial da ONU, a atual crise desencadeada pela pandemia da doença covid-19 é a oportunidade para a Europa se reinventar, ao colocar a justiça social no centro.

“O Plano de Ação para executar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais [que define 20 princípios para uma UE mais justa e mais inclusiva], que deve incluir a Garantia à Criança e uma proposta para garantir sistemas de rendimento mínimo adequados em toda a UE, é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada”, exortou Olivier De Schutter.

Na passada quarta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, reiterou o forte empenho da presidência portuguesa do Conselho da UE (que irá prolongar-se até 30 de junho de 2021) em transformar os princípios do Pilar Social proclamados em Gotemburgo (2017) em “ações”, a serem impulsionadas numa Cimeira Social prevista para maio no Porto.

O perito assinalou que “embora a UE tenha feito progressos recentes na erradicação da pobreza”, o bloco comunitário “não deve cair na autocomplacência”.

"O seu compromisso de tirar 20 milhões de pessoas da pobreza até 2020 não foi cumprido em grande parte. Dado que a UE tem registado, até muito recentemente, um crescimento económico e de emprego estável, a única explicação para este fracasso é que os benefícios não foram distribuídos uniformemente”, realçou De Schutter, que classificou tal situação como “uma derrota para os direitos sociais”.

De acordo com os indicadores do Eurostat (Serviço de Estatística da UE), apenas 7,15 milhões de pessoas na Europa tinham saído do limiar de risco de pobreza até 2018.

Segundo o relatório desenvolvido por Olivier De Schutter, uma em cada cinco pessoas, 21,1% da população da UE, estava em risco de pobreza ou de exclusão social em 2019, o que representa um total de 92,4 milhões de pessoas.

A covid-19, frisou o relator especial da ONU, criou “novos pobres”, ou seja, afetou muitas pessoas, e neste caso concreto muitos europeus, que nunca tinham sido confrontados com uma situação de pobreza.

“Conversei com pessoas que passaram fome pela primeira vez, que se viram expostas a tal situação porque não tinham onde morar e que sofreram maus-tratos e abusos por causa da pobreza”, relatou De Schutter.

Neste sentido, o relator especial da ONU instou a UE a garantir que a expressiva verba monetária reservada para a recuperação pós-pandemia beneficie os muitos cidadãos europeus que se viram mergulhados na pobreza por causa da crise económica desencadeada pela covid-19.

No fim de 2020, os 27 da UE acordaram um Fundo de Recuperação pós-pandemia avaliado em 750 mil milhões de euros que pretende ajudar os Estados-membros a enfrentarem a atual crise, já considerada como a pior desde a Segunda Guerra Mundial.

Olivier De Schutter observou que uma grande parte deste pacote de ajuda será dedicada a projetos digitais e à transição verde.

E lamentou a falta de quotas de coesão social para garantir que os investimentos sejam feitos para reduzir a pobreza.

Para receber o apoio do fundo de recuperação, os Estados-membros devem apresentar os respetivos planos até ao final de abril.

Na opinião de De Schutter, muitos dos projetos já apresentados foram “improvisados”.

"O risco é que muitos destes planos sejam mal informados e não sejam necessariamente coerentes com as expectativas das pessoas em situação de pobreza", frisou o perito.

“Não há uma metodologia clara para avaliar se o investimento feito irá reduzir efetivamente a pobreza e reduzir a desigualdade", acrescentou.

O relatório final de Olivier De Schutter será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra em junho de 2021.

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