O aumento significativo da mortalidade registada recentemente em Aden, capital do Iémen, suscita a preocupação de organizações não-governamentais e profissionais de saúde sobre a propagação do novo coronavírus nesta grande cidade do sul do país.
O país mais pobre da península arábica está em guerra há cinco anos e não existem estatísticas fiáveis sobre a pandemia. Segundo um balanço da agência France Presse a partir de dados fornecidos pelo governo e pelos rebeldes Huthis, o Iémen contava até domingo com 124 casos de infeção, incluindo 19 mortes.
No final de abril, o comité encarregado da luta contra a doença covid-19 no Ministério da Saúde iemenita anunciou os primeiros casos de contágio no país, a maioria identificados em Aden, cidade de 550.000 habitantes já atingida por surtos de dengue, malária ou chikungunya.
O serviço dos Assuntos Civis, responsável pela emissão das certidões de óbito, regista atualmente dezenas de mortes por dia na cidade.
Só no sábado, Aden registou “mais de 80 mortes causadas por diferentes epidemias”, precisou à AFP Sand Jamil, à frente daquele serviço, sem mencionar o novo coronavírus. Adiantou que normalmente são emitidas uma dezena de certidões por dia.
O número de mortos diariamente aumentou sete vezes, estimou em declarações à AFP Saddam al-Haidari, médico que trabalha num hospital público de Aden.
Estas fontes não conseguem estabelecer com certeza a ligação entre as mortes e o novo coronavírus, mas a ONG Save the Children evoca claramente a pandemia.
“As nossas equipas no terreno veem as pessoas respirando com dificuldade e até desmaiando que recebem alta hospitalar. Estas pessoas morrem porque não podem receber o tratamento que as salvaria”, lamenta Mohammed Alshamaa, diretor dos programas da Save The Children no Iémen.
“Estamos face a uma catástrofe em Aden”, considerou Yasser Bamallem, médico no hospital público Al-Jumuriah.
“Já lutávamos contra o dengue ou a chikungunya (…) com mortalidade em baixa”, lembrou à AFP. “Mas a taxa de mortalidade aumentou com a propagação do novo coronavírus”, adiantou.
Controlada pelos separatistas que reivindicam a independência do sul do Iémen, Aden não observa o confinamento, não existem testes de rastreio da covid-19 e as pessoas doentes não ficam de quarentena.
Foram realizadas campanhas de desinfeção, mas por falta de equipamento os hospitais deixaram de admitir doentes com sintomas semelhantes aos da doença e houve médicos a abandonar os seus postos, segundo vários depoimentos de pessoal de saúde.
Num comunicado onde cita responsáveis locais, a Save the Children deu conta na quinta-feira da morte numa semana de 385 pessoas que tinham sintomas semelhantes aos provocados pelo novo coronavírus.
No hospital privado Al-Kubi, as consultas passaram de 150 por dia há algumas semanas para mais de 400 atualmente, com equipas reduzidas, confessa o diretor do estabelecimento de saúde, Yasser al-Nassiri.
Entre os doentes muitos apresentam sintomas próximos dos da covid-19, disse.
“O conflito entre o governo e o Conselho de Transição do Sul (STC na sigla em inglês, que proclamou a autonomia do Sul no final de abril) assim como os combates em Abyane complicam a situação”, indica Nassiri à AFP, numa referência a uma província adjacente à de Aden onde os dois lados se confrontam.
O Iémen é palco desde meados de 2014 de uma guerra entre os rebeldes Huthis - apoiados pelo Irão e que controlam sobretudo regiões no norte e oeste do país, incluindo a capital Sanaa – e o governo reconhecido internacionalmente e que é ajudado desde 2015 por uma coligação internacional dirigida pela Arábia Saudita.
Este conflito provocou a pior crise humanitária do mundo, segundo as Nações Unidas.