Estudo Diários de uma pandemia, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência, divulga dados sobre a utilização de cuidados de saúde pela população, em contexto de pandemia.
Este estudo recolheu dados através de questionários online que, entre 23 de março e 8 de abril, contou com a participação de cerca de 10.391 pessoas que preencheram diariamente 73.617 questionários. Os resultados sobre a procura por cuidados de saúde são parte do estudo e permitem concluir o que os portugueses fizeram relativamente à sua saúde, por motivos relacionados com a Covid-19.
Raquel Lucas, investigadora no Instituto de saúde Pública da Universidade do Porto, realça, em entrevista ao S+, que é possível verificar “um recurso muito claro aos médicos de família”, e considera “particularmente interessante que o médico de família tenha emergido como sendo mais contactado do que a própria linha SNS24”.
Uma das principais razões para tal ter acontecido foi o facto dos participantes não conseguiram contactar a linha de apoio SNS24 - de todos os participantes, cerca de 8,4% tentaram contactar as linhas SNS24 em Março, e desses, quase metade (43%) não tiveram sucesso.
Por outro lado, a investigadora acrescenta que os cidadãos “que conseguem entrar em contacto com a linha SNS24, são aqueles que também mais estabelecem contacto com os médicos de família”, uma vez que é também a própria linha SNS24 que faz a referenciação do doente para o contacto com o próprio médico. Contudo, Raquel Lucas, destaca um dado positivo: “embora tenham existido estas falhas, tal não fez com que estas pessoas procurassem mais vezes os hospitais.”
Dos 10.391 inquiridos em estudo, 301 contactaram pelo menos uma vez o médico de família à distância, 239 contactaram pelo menos uma vez as linhas SNS24 e 104 inquiridos deslocaram-se pelo menos uma vez aos hospitais.
Em finais de março, foi possível observar um decréscimo nestes contactos telefónicos mas, por outro lado, as idas aos hospitais mantiveram-se constantes. A investigadora refere que este decréscimo “pode estar relacionado com o abrandamento da epidemia e com o sucesso das estratégias de contenção.”
Foi também possível constatar que, dos inquiridos, os que procuraram com maior frequência estas linhas de apoio, tiveram um maior contacto com casos confirmados de SARS-CoV-2. Esta procura é superior quando estes apresentam algum dos sintomas associados à Covid-19, como a tosse, febre ou dificuldades respiratórias, ou consideram ter maior risco de contrair a infeção.
Dos inquiridos que não tiveram sucesso no contacto através da linha SNS24, metade não contactou mais ninguém, 53% recorreu à Internet, e mais de 46% procuraram as farmácias.
Quanto à procura de informação na Internet são os mais jovens que lideram. A investigadora adianta que, não sabendo que tipo de informação estas pessoas procuraram, nem em que fontes se basearam, há um risco associado à procura de informação completamente desorientada na internet. No entanto, realça que há já muitos dos grandes sites e redes sociais que têm procurado fazer referência a sites mais fiáveis.
A procura pelas farmácias destaca a sua preparação para lidar com este problema. “Não deixa de ser interessante compreender que a sua procura como cuidados de saúde pode ser particularmente relevante para pessoas que não têm acesso por outras vias”, conclui Raquel Lucas, investigadora no ISPUP.
As deslocações às farmácia não estiveram ligadas diretamente ao grande número de sintomas mas ao receio das pessoas que tinham um risco elevado de doença.
A maior procura por estes cuidados de saúde foi mais acentuada no Norte, Centro e na área metropolitana de Lisboa, espelhando o cenário epidemiológico que se verifica atualmente em Portugal. Consequentemente, estes cuidados de saúde foram menos procurados na região do Alentejo e do Algarve, algo que pode ser justificado de duas formas - “por haver menos casos é menos provável que haja pessoas com contactos com casos confirmados nestas regiões” ou porque “há uma relativa dispersão geográfica e menor concentração de serviços de saúde.”
Não foi nos agregados familiares, com adultos entre 60 ou mais anos, onde a procura por estes cuidados de saúde foi mais elevada, mas sim onde havia pessoas com doença crónica ou com crianças até aos 10 anos o que, de acordo com a investigadora, “é interessante porque as crianças até aos 10 anos não são um grupo de particular risco de complicações neste contexto (…) e que revela uma grande preocupação dentro do agregado”, conclui
A intenção deste projeto é fornecer ferramentas de trabalho aos cientistas para poderem avaliar, monitorizar e estudar os comportamentos dos portugueses no decurso do novo coronavírus. À data já são mais de 12.000 pessoas a participar e, se quiser contribuir para este estudo, pode fazê-lo aqui.