Um Estudo, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto com o Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), conclui que os profissionais de saúde querem critérios éticos para priorização de doentes Covid-19 nos cuidados Intensivos, caso se assista a uma escassez de recursos.
Em entrevista ao S+, Rui Nunes, coordenador deste estudo, docente na FMUP e investigador no CINTESIS, acredita que falar dos critérios éticos de priorização às unidades de medicina intensiva deve ser feito por antecipação, para que se evitem decisões apressadas e sem a devida reflexão.
“Numa situação como a pandemia do novo coronavírus, com a repercussão mundial que teve e com os exemplos que assistimos em Itália e Espanha (…) é fundamental que um país que quer estar na vanguarda da civilização se prepare para situações como esta”, avança.
Para o especialista em Bioética, para serem aplicáveis e terem cobertura ética, estes critérios de priorização “tem de ser consensualizados, transparentes, universais e percebidos pela generalidade da população”, o que quer dizer que não podem haver diferenças regionais.
“Estes critérios éticos chamam a atenção para a necessidade da existência de equidade, universalidade e de solidariedade (…) que neste momento são mais necessários do que nunca”, conclui.
Este estudo preliminar foi realizado a mais de 350 profissionais e investigadores de saúde, mas vai ser alargado a outras escolas médicas e centros de investigação do país.
A conclusão do estudo é clara: a grande maioria dos profissionais e investigadores, incluindo médicos, enfermeiros e psicólogos, concorda que devem existir critérios éticos face a uma eventual escassez de recursos.
Rui Nunes avança que em situações de stress e tensão, por vezes, é comum que se siga “o caminho mais fácil que é o da discriminação de pessoas ou de grupo de pessoas. No entanto, esta “não é uma solução eticamente adequada” uma vez que gera “ fraturas sociais, disrupção intergeracional e a possibilidade de discriminar grupos populacionais”, com outras etnias ou com deficiência.
Neste momento não pode haver “nenhum tipo de discriminação por maior que seja a situação de stress do sistema de saúde” uma vez que Portugal é “um estado de direito democrático, fundado na igual dignidade das pessoas”, e este é o ponto de partida.
Na lista de critérios considerados essenciais surge o de olhar para os doentes como um todo e não para caraterísticas arbitrárias.
Dos profissionais de saúde e investigadores que responderam ao inquérito online, 93% concorda que a idade não pode ser considerada como o único elemento de decisão.
90% dos inquiridos apoia o critério da abrangência, o que quer dizer que consideram que a decisão dever ser partilhada entre a equipa de saúde, o doente (se assim for possível) e a família.
Face à impossibilidade de admitir em simultâneo todos os doentes com Covid-19, cerca de 80% dos inquiridos entende que se deve ter em consideração a probabilidade de sobrevivência do doente até à alta hospitalar. Um critério que “não é definitivo, mas que mereceu concordância”, realça Rui Nunes.
Com 66% de concordância surge o critério ético que valoriza o “número de anos que possam ser salvos ou projetados para o futuro”.
O especialista avança que esta proposta “não implica necessariamente que venham a ser operacionalizados” mas, face a esta ou a outras situações pandémicas, as equipas têm de estar preparadas.
Para Rui Nunes “esta pandemia por mais grave que seja, não foi a primeira, nem vai ser a última. Estes critérios de priorização não se aplicam apenas em pandemias víricas, podem-se utilizar noutras situações como em teatros operacionais de guerra, terramotos, maremotos.”
Reconhece que não é fácil discutir estes temas mas admite que se a Itália e a Espanha tivessem pensado neste assunto antecipadamente, provavelmente grande parte dos casos dramáticos que assistimos, não tinham acontecido.
O especialista em bioética realça que é importante “aproveitar esta situação dramática para estabelecer este tipo de critérios, para os consensualizar e esperar que não sejam necessários”.
Neste inquérito, realizado entre os dias 06 e 11 de abril, 51% dos inquiridos são médicos, sendo que 73% têm menos de 50 anos de idade.
Segundo o boletim epidemiológico divulgado hoje pela Direção Geral da Saúde (DGS), estão 229 pessoas em unidades de cuidados intensivos.