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Covid-19: Preferindo as ruínas ao vírus, sírios deslocados voltam para casa

LUSA
16-04-2020 14:19h

A sua casa no noroeste da Síria está em ruínas, mas Hassan Khraybi e os seus 10 filhos regressaram ainda assim à cidade natal devastada pela guerra, como numerosos deslocados que abandonam zonas superlotadas receando o novo coronavírus.

Aproveitando um cessar-fogo na província de Idlib, Hassan regressou a Ariha, onde se instalou num pequeno apartamento cedido por um conhecido, conta a agência France Presse.

“Estávamos no norte (de Idlib) e lá os campos de deslocados estão lotados”, explicou o homem de 40 e tal anos.

“Com a sobrelotação tivemos medo da disseminação do coronavírus. Decidimos regressar, ainda que as nossas casas estejam destruídas”, justificou.

Ainda não foram registados oficialmente quaisquer casos de covid-19 na província de Idlib e arredores, o último grande bastião ‘jihadista’ e rebelde com cerca de três milhões de habitantes.

As organizações não-governamentais, no entanto, temem uma catástrofe humanitária se o vírus se disseminar naquela região, sobretudo nos campos sobrelotados onde as famílias vivem em total penúria, com acesso limitado a cuidados de saúde e água potável.

Ainda que a sua casa não seja mais que uma massa de betão, Hassan escolheu regressar a Ariha e todos os dias atravessa as ruas devastadas da cidade para vender água aos habitantes que como ele apostaram no regresso.

A família de Hassan faz parte de perto de um milhão de deslocados registados pela ONU, obrigados a fugir devido à ofensiva, reforçada em dezembro, do regime e do seu aliado russo no noroeste sírio.

Muitos foram os que fugiram para o norte da província de Idlib, perto da fronteira com a Turquia. Hassan e a sua família viveram lá durante dois meses, num campo de deslocados perto de Maaret Misrine.

Mas no início de março, quando a epidemia do novo coronavírus se disseminava pelo mundo e a ofensiva do regime acalmou após uma trégua negociada por Moscovo e Ancara, centenas de famílias aproveitaram para regressar a Ariha.

Foi também o caso de Rami Abou Raed, que passou dois meses com a mulher e os três filhos no norte de Idlib, onde partilhava alojamento com conhecidos.

“Em cada casa havia três ou quatro famílias a viverem juntas”, conta o pintor de construção civil de 32 anos.

“Não era possível, sobretudo com o coronavírus. Tive medo pelas crianças e regressei”, adianta.

Rami viveu dois anos em Ariha, após várias deslocações na sequência de ofensivas sucessivas do regime. Por isso não tem ilusões sobre a frágil trégua em Idlib.

“A acalmia deve-se ao coronavírus. Se ele for eliminado, o regime recomeça as operações”, assegura.

Damasco parece estar agora centrado na luta contra a epidemia, que oficialmente causou 29 casos e causou duas mortes nos territórios sob o seu controlo.

Em Ariha são visíveis os primeiros sinais de reconstrução. Homens martelando num teto meio desmoronado, enquanto outros alinham blocos de cimento.

Aqui e ali crianças brincam por entre as ruínas. Uma padaria retomou o serviço e na zona do mercado, no centro da cidade, vendedores de vegetais ocupam o seu espaço em frente a montes de entulho.

Instalados perto da fronteira com a Turquia, Oum Abdou e o seu marido planeiam regressar até ao final de abril a Ariha, a sua terra natal, mas precisam primeiro de encontrar alojamento porque a sua casa foi destruída.

Deslocados há dois meses, o casal e os cinco filhos vivem atualmente numa mesquita.

Numa recente visita a Ariha, Oum Abdou esteve junto aos túmulos de dois dos seus filhos que foram mortos nos últimos anos em bombardeamentos.

“É sobretudo por eles que quero regressar”, diz.

A mulher aproxima o rosto de uma lápide que abraça, imitada pela filha Malak de quatro anos. Ambas têm colocada a máscara dos 'tempos covid'.

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