O pianista Filipe Pinto-Ribeiro, que lidera o DSCH-Schostakovich Ensemble, considera a atual situação de pandemia um "tempo de incerteza e insegurança", e alerta para que esta não seja "pretexto para cancelamentos desnecessários e incumprimentos de obrigações legais".
"Uma obrigatoriedade que se torna ainda mais pertinente num momento em que todos devemos ser solidários e estar unidos", sublinhou o pianista, em declarações à agência Lusa.
"Temos de reagir em conjunto, Governo, instituições e artistas. Temos de focar as nossas energias na recuperação, em encontrar soluções para concretizar os eventos programados e para construir novos projetos. Não podemos ficar bloqueados pela incerteza e pelo medo. A arte reflete angústias, medos, mas também ilumina, apela à transcendência, e temos de nos preparar de forma construtiva para a saída desta situação ímpar", disse Pinto-Ribeiro.
O DSCH - Schostakovich Ensemble viu a sua atividade "muito afetada" com o adiamento de vários concertos, de março e maio, tanto em Portugal como no estrangeiro, no âmbito das medidas restritivas de combate à pandemia da covid-19, que levou à paralisação do setor cultural.
O concerto agendado para o passado o dia 14 de março, no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, "foi adiado para 4 de junho" e o concerto programado para 25 de abril, no âmbito do festival Dias da Música, também no CCB, foi adiado para 05 de setembro.
Reconhecendo que "o adiamento de concertos é de facto a solução ideal", o pianista alertou, no entanto, para "situações muito difíceis, pois os rendimentos dos músicos vêem-se também adiados por meses".
Pinto-Ribeiro referiu que "os concertos são resultado de semanas ou meses de trabalho, e a necessidade do previsto e devido pagamento não pode ser adiada, pois as habituais obrigações da vida mantêm-se".
Outra iniciativa do DSCH-Schostakovich Ensemble é o projeto Verão Clássico, previsto para 26 de julho a 04 de agosto no CCB, que conta já com 82 inscrições: 42 portugueses e os restantes de vários países, designadamente Áustria, Bélgica, Brasil, Espanha, França, Reino Unido, Rússia, Ucrânia, Israel, Estados Unidos e Coreia do Sul, entre outros.
"São ótimos números, equivalentes aos de 2019, e as inscrições continuam abertas até 1 de maio, com probabilidade de serem alargadas devido à situação da pandemia", comentou.
"Continuamos a receber pedidos diários de informações, o que demonstra que os jovens músicos estão planear ativamente o seu futuro próximo, independentemente da situação atual".
Para Pinto-Ribeiro, "um sinal positivo foi dado pelo Presidente da República que, em março, concedeu o seu Alto Patrocínio ao Festival e Academia Verão Clássico"
Nas próximas semanas, o Verão Clássico continuará uma divulgação nas redes sociais com quatro vídeos diários com apresentações de jovens músicos participantes na edição do ano passado.
A "situação é grave", acentua Pinto-Ribeiro, realçando que "não há plataformas digitais ou televisivas que substituam os concertos ao vivo".
"Um espetáculo ao vivo é uma experiência insubstituível, um momento único de criação e de comunhão. Não podemos deixar que a proliferação - generosa, bem intencionada mas não remunerada - de partilhas nas redes sociais de atividade artística a que temos assistido seja utilizada como substituição da habitual - e obviamente remunerada - atividade dos artistas".
"É uma situação que pode resultar perniciosa e que temos de salvaguardar", sublinhou à Lusa.
O pianista disse que não se pode ignorar "o enorme impacto económico e social das atividades artísticas".
"A lógica do apoio não pode ser vista somente de uma forma assistencialista. Tem de ser encarada como investimento cultural mas também do ponto de vista da receita económica para o país, da criação de emprego, do desenvolvimento turístico", prosseguiu.
E dando como exemplo o Verão Clássico, Pinto-Ribeiro afirmou que este "congrega anualmente em Lisboa, durante duas semanas, centenas de pessoas, muitos das quais estrangeiras, o que resulta em milhares de dormidas e refeições, viagens e outras receitas importantes para o país e que, com esta conjuntura, se tornam ainda mais importantes".
Para Filipe Pinto-Ribeiro, "nunca como agora foi tão necessário o apoio aos projetos artísticos de organismos públicos e privados e de pessoas singulares que eventualmente o possam fazer".
"Também nunca como agora foi tão necessário para nós artistas projetarmos o futuro assegurarmos, com as necessárias adaptações que a situação requer, a continuidade da criação artística que se revela, revelou e revelar-se-á essencial para a sociedade em que vivemos", rematou.
Em dezembro, o júri dos concursos do programa sustentado da Direção-Geral das Artes (DGArtes) consideraram elegível, para apoio, a candidatura do DSCH-Schostakovich Ensemble, mas as verbas totais disponíveis não eram suficientes para conceder o financiamento da sua atividade.
Na altura, o pianista Filipe Pinto-Ribeiro disse à Lusa que este facto causou surpresa e deixou-o apreensivo, “pondo em causa toda a atividade" do agrupamento, não só o Prémio de Composição, encetado no ano passado, mas também outras iniciativas.
"Há mais de dez anos [que o DSCH–Schostakovich Ensemble] é responsável por projetos artísticos de excelência, como o Verão Clássico, reconhecido como um dos melhores festivais e academias mundiais [de música]", disse então o pianista.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já provocou mais de 114 mil mortos e infetou mais de 1,8 milhões de pessoas em 193 países e territórios.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia e vários países a adotarem medidas de contenção da propagação, como o distanciamento social, o confinamento, o encerramento de serviços e o controlo de fronteiras.
Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde, registam-se 535 mortos e 16.934 casos de infeção confirmados.