Um especialista da Organização das Nações Unidas em direitos humanos apelou hoje ao cessar-fogo na República Centro-Africana (RCA), país que considera estar à beira de "uma catástrofe" sanitária definitiva se não concentrar esforços no combate ao novo coronavírus.
"A República Centro-Africana está a ser atingida pela pandemia da covid-19 e a caminhar para uma catástrofe sanitária definitiva se não cessarem imediatamente as hostilidades no país", afirmou Yao Agbetse, especialista independente da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação dos direitos humanos naquele país africano.
Por isso, numa nota emitida a partir de Genebra, apela "a uma paragem imediata dos ataques dos grupos armados, para que se possa criar um ambiente propício a uma mobilização nacional mais forte contra a covid-19".
Para Yao Agbetse, este é um momento em que "todas as energias do país devem ser canalizadas para a luta coletiva contra a pandemia".
Assim, exorta o Governo da RCA "a continuar as suas medidas para limitar a propagação da covid-19 e a aplicá-las em todo o território nacional, de acordo com os princípios fundamentais dos direitos humanos, incluindo os relacionados com a saúde pública, que exigem ações proporcionadas, necessárias e não discriminatórias", sublinha na mesma nota.
Mas também apela ao executivo para que, ao mesmo tempo, "continue a implementar os seus compromissos no âmbito do Acordo de Paz de fevereiro de 2019" e para que "acelere a implementação dos mecanismos de justiça transitórios".
Para Agbetse, o Governo deve ainda "restaurar a autoridade do Estado, inclusive através da redistribuição dos serviços de saúde e dos seus profissionais para áreas ainda sob o controle de grupos armados".
Aos grupos armados, o especialista da ONU apela a que "cessem imediatamente todos os ataques contra a população civil, agentes do Estado e soldados da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas na RCA (Minusca)", destacando que "qualquer entrave às operações humanitárias deve ser levantado".
"Os grupos armados devem desocupar os edifícios públicos, incluindo os centros de saúde que continuam a ocupar, e devem contribuir, nas áreas sob seu controle, para o respeito pelas medidas tomadas pelo Governo para combater a covid-19", disse.
Já às entidades internacionais que são o garante do Acordo de Paz na RCA, a União Africana e a Comunidade Económica dos Estados da África Central, Yao Agbetse pediu "para que mobilizem os países vizinhos, ao mais alto nível para garantir que os compromissos assumidos pelos grupos armados sejam respeitados" na RCA.
E defendeu que "o artigo 35 do Acordo de Paz, que prevê medidas repressivas contra os signatários que não respeitem os seus compromissos, deve ser ativado".
"Finalmente, apelo à comunidade internacional para continuar e reforçar o seu apoio ao Governo da República Centro-Africana nos seus esforços para combater a covid-19", concluiu o perito da ONU.
O especialista saudou as medidas tomadas pelo Governo da RCA contra a covid-19, mas lembrou que estas "só podem ser divulgadas e respeitadas na maior parte do território nacional ocupado por grupos armados com o forte envolvimento dos seus líderes".
"A observância destas medidas, incluindo levantamento de barreiras à circulação e limitações de contactos, é posta em causa num contexto de conflito marcado pelo deslocamento de populações em fuga dos ataques", frisou.
Yao Agbetse é advogado, investigador e professor de direitos humanos, aos quais dedicou os últimos 25 anos da sua vida e implementou programas de direitos humanos a nível nacional e prestou aconselhamento jurídico e técnico para o desenvolvimento e monitorização das leis e políticas nacionais de direitos humanos, incluindo no Benim, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Mali e Togo.
Portugal está presente na RCA desde o início de 2017. A 7.ª Força Nacional Destacada, constituída por 180 militares, partiu recentemente para o país, de forma a integrar a missão da ONU durante seis meses.
Os militares da 7.ª Força Nacional Destacada vão constituir a Força de Reação Rápida ao serviço da Minusca.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais 480 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram perto de 22.000.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.
O continente europeu, com quase 260.000 infetados, é aquele onde está a surgir atualmente o maior número de casos.
O continente africano registou pelo menos 73 mortes devido à covid-19, ultrapassando os 2.700 casos, em 46 países.