A Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiares (USF-AN) considerou hoje que o modelo de Unidades Locais de Saúde (ULS) iniciado há dois anos “precisa de afinação” e defendeu que seja dado foco e autonomia aos cuidados primários.
“As ULS não foram suficientemente preparadas. Foram feitas à pressa. O modelo precisa de afinação e se calhar a afinação é, eventualmente, autonomizar as áreas [cuidados hospitalares e cuidados de saúde primários]. Já há tempo suficiente para se perceber que não se consegue administrar conjuntamente estas duas áreas de um modo igual. São culturas muito diferentes, organizações de cuidados muito diferentes e isso tem que ser levado em conta”, defendeu o presidente da USF-AN.
Em declarações à Lusa, nas vésperas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) completar dois anos de cobertura nacional em modelo de ULS, André Biscaia admitiu que se mantenha “um conceito de administração comum”, mas considerou que este deve permitir que “haja um foco também nos cuidados de saúde primários”.
“Não é que se tenha que apagar completamente aquilo que se fez até agora, mas este sistema tem que evoluir e a evolução é esta”, sublinhou.
Recordando que o primeiro comunicado da USF-AN sobre “a ideia de expandir as ULS” seguiu no final de 2022 e que a expansão entrou em vigor no início de 2024, André Biscaia disse que “houve tempo suficiente para fazer uma mudança significativa que corresse bem, mas essa afinal não foi planeada, estruturada, preparada, com os recursos necessários”.
“De um momento para o outro, acabam-se com cinco ARS [Administrações Regionais de Saúde], acabam-se com 55 agrupamentos de centros de saúde e formam-se 39, mais 31, juntando às outras oito ULS [que já existiam]. Tudo isto é uma mudança muito profunda que precisava de outro cuidado. Houve falhas grandes no apoio às unidades que estavam no terreno, em toda a linha de comando”, lamentou.
Apontando que a mudança teve início “com cultura hospitalar”, André Biscaia contou que “durante seis meses não se sabia como processar os vencimentos dos cuidados de saúde primários” pelo que “foi prevalecendo aquilo que existia antes e, de certa maneira, os cuidados de saúde primários ficaram perdidos dentro do sistema”.
“A ideia das ULS é uma ideia boa em termos teóricos. Aquilo que realmente se pretende é a integração de cuidados. Agora, coisa diferente é dizer que uma ULS é integração de cuidados por si só”, resumiu.
Portugal ficou desde 01 de janeiro de 2024 inteiramente coberto por 39 ULS. A reorganização foi anunciada como tendo por objetivo facilitar o acesso das pessoas e a sua circulação entre os centros de saúde e os hospitais. As ULS integram hospitais e centros de saúde debaixo de uma única gestão e paralelamente desapareceram as ARS
“Na altura falou-se muito, até se viu num artigo isso escrito, que o diretor executivo do SNS ia poder juntar os 39 presidentes das ULS numa sala média. Mas um modelo de governação em que a parte central se tem de relacionar com 39 presidentes de conselhos de administração diferentes é muito difícil. O modelo de governação anterior, que incluía as ARS, permitia uma certa proximidade”, analisou.
Lembrando que “Portugal não é muito grande mas tem situações muito dispares”, André Biscaia considerou que “dificilmente se consegue trabalhar com determinações e orientações gerais”.
E, recorrendo a um estudo da USF-AN apresentado em outubro, o presidente da associação apontou que só 40% dos coordenadores das Unidades de Saúde Familiar (USF) é que acham que houve uma melhoria na integração de cuidados só 55% acham que as ULS respeitam a sua autonomia.
“E depois, há falhas naquilo que diziam que as ULS iam melhorar, que era toda a parte do provisionamento, o apoio técnico, o recrutamento de profissionais. O que nós vemos é que o apoio logístico das ULS às Unidades de Saúde Familiar (USF) é avaliado positivamente por 22% dos coordenadores. Já 99,6% das USF tiveram falhas na parte informática e só 59% das USF é que têm uma equipa completa”, acrescentou.
Para André Biscaia é imperativo garantir um orçamento “mais ou menos protegido” para os cuidados de saúde primários, mantendo-se o conselho de administração das ULS, mas criando dois departamentos “mais ou menos autónomos”, um para a parte hospitalar e outro para a parte dos cuidados de saúde primários”.
“E havia toda uma estrutura de apoio aos cuidados de saúde primários, que é aquilo que faz falta. A gestão de proximidade é fundamental em qualquer sistema”, conclui.