A ONU alertou hoje que a sua capacidade de prestar apoio às crianças nos enormes campos de refugiados rohingya no Bangladesh está a diminuir rapidamente e encontra-se prestes a atingir um “precipício financeiro”.
Segundo Carla Haddad Mardini, diretora de angariação de fundos privados e parcerias do Fundo da ONU para a Infância (UNICEF), as condições de vida nesses campos degradados e sobrelotados já são desastrosas e só irão piorar em 2026, à medida que os fundos disponíveis se esgotam.
O campo de Cox's Bazar, de onde Carla Haddad Mardini regressou hoje de uma visita, acolhe cerca de um milhão de membros da minoria rohingya, maioritariamente muçulmana, que fugiu à brutal repressão militar no estado de Arakan (ou Rakhine) em Myanmar (antiga Birmânia), iniciada em 2017.
“Está a formar-se uma crise de financiamento que ameaça apagar anos de progressos alcançados para as crianças rohingya”, alertou a representante.
“Foi devastador ver salas de aula a encerrar, serviços a reduzir-se e o futuro de centenas de milhares de crianças por um fio. Estamos a fazer tudo o que podemos para aproveitar ao máximo cada dólar, mas as nossas opções estão a esgotar-se”, declarou a responsável da UNICEF aos jornalistas em Genebra, Suíça.
Mardini explicou que a educação, o abastecimento de água, o saneamento e a assistência em higiene estão entre os serviços mais gravemente afetados.
O Bangladesh registou um forte aumento no número de refugiados vindos de Myanmar, desde o início de 2024, com a chegada de mais 150 mil rohingya.
Este aumento ocorre num momento em que os Estados Unidos, tradicionalmente o maior doador mundial, reduziram drasticamente a sua ajuda, provocando fortes repercussões no setor humanitário global. Outros grandes doadores internacionais também estão a reduzir as contribuições.
Os sucessivos cortes já causaram graves dificuldades aos rohingya nos campos sobrelotados, onde muitos dependem da ajuda humanitária e sofrem de malnutrição.
“Tudo indica que a situação será ainda mais dramática no próximo ano”, afirmou Mardini, sublinhando que “todo o esforço de resposta humanitária em favor dos rohingya enfrenta um precipício financeiro no início de 2026”.
“Estamos a avançar a grande velocidade para esse precipício financeiro e as projeções mais pessimistas sugerem que contribuições já insuficientes poderão cair para metade”, acrescentou.
Segundo a responsável, apesar dos ganhos de eficiência, da fusão de programas e da descentralização do apoio, “nenhuma redução de custos pode compensar uma quebra desta dimensão”.
Mardini referiu ainda que vários grupos armados operam na região, tendo sido registados 685 casos de recrutamento de crianças este ano, mais de cinco vezes o total de todo o ano de 2024.
“Ver este aumento no recrutamento é extremamente preocupante para o futuro”, disse, alertando que a malnutrição aguda grave entre as crianças atingiu agora o nível mais elevado desde o início da crise, em 2017.
Myanmar, de maioria budista, não reconhece esta minoria e impõe múltiplas restrições aos rohingyas, nomeadamente a liberdade de movimentos.
Desde que a nacionalidade birmanesa lhes foi retirada em 1982, os rohingyas têm sido submetidos a muitas restrições: não podem viajar ou casar sem autorização, não têm acesso ao mercado de trabalho, nem aos serviços públicos (escolas e hospitais).
A violência contra esta minoria, descrita pela ONU como limpeza étnica, incluiu o assassínio de milhares de pessoas, a violação de mulheres e de crianças e a destruição de várias aldeias.