A Palestina afirmou ontem no Conselho de Segurança das Nações Unidas que Israel “está atualmente em guerra com a ONU”, expressando simultaneamente preocupação com a proibição pelo Estado judaico da atuação da agência para os refugiados palestinianos (UNRWA).
O representante permanente do Estado palestiniano na ONU, o embaixador Ryiad Mansur, manifestou-se também preocupado com a limitação que as duas leis aprovadas por Israel na segunda-feira representam para a capacidade da UNRWA para operar nos territórios palestinianos ocupados da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.
Mansur afirmou que essas duas novas leis, que entrarão em vigor dentro de três meses, comprometem a capacidade da agência internacional para servir aos refugiados palestinianos e a sua “capacidade de ajudar a população civil palestiniana em Gaza a sobreviver”.
“Israel ultrapassou todas as linhas vermelhas, quebrou todas as regras, desafiou todas as proibições. Quando é que vai ser suficiente? Quando é que vão agir?”, perguntou Mansur ao Conselho de Segurança.
O embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, voltou a sustentar que há trabalhadores na UNRWA envolvidos em atividades terroristas contra Israel.
Israel alega, sem provas, que mais de 10% do pessoal da UNRWA na Faixa de Gaza tem ligações ao movimento islamita palestiniano Hamas e que os seus centros educativos - muitos deles bombardeados durante a guerra em curso há mais de um ano naquele enclave palestiniano, apesar da presença de civis deslocados - incitam ao ódio contra Israel.
Em janeiro, Israel afirmou que 12 funcionários da UNRWA tinham estado ativamente envolvidos nos ataques mortais de 07 de outubro de 2023 a território israelita, que desencadearam no mesmo dia a guerra de Israel em Gaza para “erradicar” o Hamas, ao que a agência da ONU respondeu imediatamente com a abertura de um inquérito interno e o despedimento desses trabalhadores.
A UNRWA (Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente) foi criada em 1950 pela ONU e presta serviços sociais a mais de cinco milhões de refugiados palestinianos - muitos deles descendentes das centenas de milhares de pessoas deslocadas pela criação, em 1948, do Estado de Israel - que vivem atualmente na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, no Líbano, na Síria e na Jordânia.
O coordenador especial para o processo de paz no Médio Oriente, Tor Wennesland, disse que a situação na Faixa de Gaza “desafia a imaginação”.
“Na parte sul da Faixa de Gaza, vi a escala da devastação que esta guerra infligiu à população. Vi a imensa destruição de edifícios residenciais, estradas, hospitais e escolas. Vi milhares de pessoas a viver em tendas de campanha improvisadas, sem nenhum outro lugar para onde ir”, descreveu Wennesland.
O especialista sublinhou também que em quase 13 meses de guerra, morreram mais de 43.000 palestinianos e mais de 1.600 israelitas e estrangeiros, e que há ainda 97 reféns nas mãos do Hamas (34 deles entretanto declarados mortos pelo Exército israelita).
O encarregado de presidir ao Conselho de Segurança, o chefe do Departamento Federal dos Negócios Estrangeiros da Suíça, Ignazio Cassis, considerou que a decisão tomada na segunda-feira pelo parlamento israelita contra a UNRWA “é um novo ponto de viragem no conflito”.
“Não só é uma decisão em grande medida incompatível com o Direito Internacional, como ameaça a ajuda humanitária prestada à população civil”, vincou Cassis.
A embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield, expressou igualmente “profunda preocupação com a legislação adotada pelo Knesset (parlamento israelita) em relação à UNRWA”.
“Neste momento, não há alternativa à UNRWA quando se trata de distribuir alimentos e outra ajuda vital em Gaza. Preocupa-nos, por isso, a aplicação desta legislação”, afirmou Thomas-Greenfield.
O embaixador Vassily Nebenzia, representante permanente da Federação da Rússia junto da ONU, criticou que Israel tenha “decidido por si só cancelar esta agência especializada da ONU”, só porque “não lhe agrada”.
Além disso, segundo o diplomata russo, a decisão de Israel de proibir o trabalho da UNRWA põe em risco toda a região do Médio Oriente e representa um “grave precedente” contra a cooperação internacional.
A suspensão total das atividades da agência “terá consequências muito negativas tanto para a região como para o sistema global no seu conjunto”, além de “minar os fundamentos da cooperação multilateral internacional”, advertiu Nebenzia no Conselho de Segurança da ONU, noticiou a agência TASS.
Lamentou, por isso, que este “grave precedente” esteja a ocorrer “perante o olhar” de toda a comunidade internacional, apesar de aquela agência “ser a espinha dorsal do corpo humanitário da ONU na região” e “uma estrutura única na proteção dos direitos e na assistência aos palestinianos”.
Nebenzia recordou também os mais de 300 trabalhadores da UNRWA que foram mortos em ataques das forças israelitas, que têm visado repetidamente instalações da agência, frisando: “Esta é a maior perda na história da organização desde a sua fundação”.
O projeto de lei aprovado na segunda-feira pelo Knesset proíbe a UNRWA de operar tanto em Israel como nos territórios palestinianos ocupados, revogando um diploma de 1967 que servia de base às suas atividades.
Isto, depois de em março, Israel ter acusado um número significativo de trabalhadores da UNRWA de pertencerem a “grupos terroristas”, o que levou cerca de 15 países a congelar o financiamento, privando subitamente a agência de 450 milhões de dólares e pondo em causa a continuidade das suas operações.