O presidente da Assembleia da República recusou o pedido do Chega para que a comissão parlamentar ao caso das gémeas aceda às comunicações da Presidência das República, advertindo que o não cumprimento constitui crime de desobediência qualificada.
Esta decisão consta de um despacho hoje emitido por José Pedro Aguiar-Branco, ao qual a agência Lusa teve acesso, após ter recebido um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o pedido do Chega – parecer que reforçou a sustentação que já apresentara num primeiro despacho de 17 de julho passado.
“Mantendo-se integralmente o entendimento e argumentação expendidos (…), lavrado de reforço de sustentação pelo parecer do Conselho Consultivo da PGR, decide-se recusar dar cumprimento ao pedido formulado pelo Grupo Parlamentar do Chega de requerer à Presidência da República o registo e/ou cópia de todas as comunicações (nomeadamente, cartas, mensagens escritas por meio de telemóvel ou via internet – WhatsApp, Messenger, Telegram e mensagens de correio eletrónico) referentes ao processo das gémeas luso-brasileiras Maitê e Lorena Assad”, conclui-se no despacho.
O presidente da Assembleia da República faz depois uma “expressa advertência de que, por imperativo legal, o não cumprimento de ordens legítimas de uma comissão parlamentar de inquérito no exercício das suas funções constitui crime de desobediência qualificada, por se considerar que tal requisição é ilegítima, infringe norma constitucional e não respeita os direitos, liberdades e garantias nem o equilíbrio dos poderes constitucionais entre os diversos órgãos de soberania”.
Segundo José Pedro Aguiar-Branco, “embora o artigo 13.º, n.º 1 do RJIP (Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares) prescreva que as comissões gozam dos poderes das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados, esta equiparação não significa, porém, esquecer o que já antes se disse: as comissões não são tribunais, não exercem o poder jurisdicional, apresentando-se fundamentalmente como órgão político, não como autoridade judicial”.
O presidente da Assembleia da República realça que, de acordo com a Constituição, as comissões parlamentares de inquérito “não poderão deixar de ter em atenção, designadamente, que a todos os cidadãos é reconhecido o direito ao bom nome, reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1) e que o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis (artigo 34.º, nº 1), os quais constituem direitos fundamentais dos cidadãos que, mesmo em investigação criminal, não podem ser afetados senão por decisão de um juiz”.
“Por conseguinte, a excecionalidade das restrições constitucionalmente autorizadas implica que as restrições legais e as intervenções restritivas decididas ou autorizadas por um juiz estejam sujeitas aos princípios jurídico-constitucionais das leis restritivas referidas no artigo 18.º da CRP (necessidade, adequação, proporcionalidade, determinabilidade)”, salienta.
Por sua vez, no seu parecer, o Conselho Consultivo da PGR aponta que o presidente da Assembleia da República não se encontra obrigado a conceder a sua assinatura “à requisição coerciva de informações e documentos se entender que a requisição exorbita do objeto de inquérito ou infringe norma constitucional, legal ou regimental”.
“Mais considera que vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis não é apenas uma incumbência da Assembleia da República, mas também do seu presidente que, na apreciação da legalidade de uma requisição de informação e documentos à ordem de inquérito parlamentar, deve conhecer da suficiência da fundamentação e examinar se são respeitados os direitos, liberdades e garantias e o equilíbrio dos poderes constitucionais entre os diversos órgãos de soberania, na certeza de que só o Governo responde politicamente perante a Assembleia da República”, acrescenta-se no despacho.
Ainda na fundamentação, para se justificar a recusa do pedido do Chega, frisa-se que “o Presidente da República não responde politicamente perante nenhum outro órgão de soberania”.
“Pelo contrário, é a Assembleia da República a responder politicamente perante o Presidente da República, razão pela qual, em caso algum, se encontra o Presidente da República obrigado a prestar informações ou a facultar documentos a um inquérito parlamentar”, acrescenta-se.
Em causa na comissão parlamentar de inquérito e no processo em investigação pela PGR, que tem como arguidos o ex-secretário de Estado da Saúde Lacerda Sales e Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, está a forma como duas crianças luso-brasileiras acederam ao tratamento com o medicamento Zolgensma no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Um medicamento que tem um custo de dois milhões de euros por pessoa.