A linha telefónica de apoio emocional SOS Voz Amiga, a mais antiga em Portugal, disponibiliza atendimento contínuo entre a meia-noite de domingo e a de terça-feira, Dia Mundial da Prevenção do Suicídio.
Serão “48 horas de jornada contínua de atendimento” para “chamar a atenção da população” para o problema, disse à agência Lusa Francisco Paulino, presidente da associação responsável pela linha, que funciona diariamente das 15:30 às 00:30 e que cumpre 46 anos na segunda-feira.
Numa nota a propósito do dia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) assinala que “o suicídio é um grande desafio de saúde pública”, responsável por 700.000 mortes anualmente a nível mundial e com “consequências sociais, emocionais e económicas de longo alcance”.
As linhas de apoio, anónimas, são muitas vezes o recurso mais fácil e, nalguns casos, o único para quem precisa de ajuda para aliviar o sofrimento devido à solidão, ansiedade, depressão ou pensamentos suicidários.
“O primeiro embate é connosco e transmitimos algum conforto (…) amenizando o sofrimento de pessoas”, adiantou Francisco Paulino.
Além da SOS Voz Amiga, é possível recorrer a outras linhas como a SOS Estudante, em Coimbra, Conversa Amiga, da fundação INATEL, Telefone da Esperança, no Porto, ou a do Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
Criada em 1997 pela Associação Académica de Coimbra, a SOS Estudante conta com 23 voluntários, que são sempre alunos universitários, e entre fevereiro e julho deste ano recebeu “no mínimo 860 chamadas”, sobretudo sobre “relacionamentos, carência afetiva, solidão, religião e ansiedade”, referiu a direção da linha num ‘email’ enviado à Lusa.
Segundo os responsáveis do serviço, que funciona das 20:00 à 01:00 diariamente, exceto nas férias escolares, o número de chamadas em geral tem vindo a aumentar. “O género que mais contacta a Linha SOS Estudante continua a ser o masculino e a faixa etária encontra-se entre os 36 e os 49 anos”.
No caso da SOS Voz Amiga, “as mulheres ligam mais que os homens”, 55% e 45% das chamadas, respetivamente.
Segundo Francisco Paulino, a percentagem de chamadas em que as pessoas manifestam explicitamente a intenção de cometer suicídio “não ultrapassa 7% do total” e quem mais liga são jovens do sexo feminino, entre os 20 e os 35 anos.
Para a linha do CAPIC do INEM, foram feitas entre janeiro e agosto deste ano 1.936 chamadas (menos 279 que no período homólogo de 2023) relacionadas com “comportamento suicidário”, 40% do total. Destas, 60,6% foram de mulheres, com destaque para a faixa etária entre os 20 e os 29 anos, seguida da dos 40-49 e dos 50-59, praticamente ao mesmo nível.
Criado em 2004, o CAPIC funciona 24 horas por dia e conta com uma equipa de 31 psicólogos clínicos, que, quando necessário, se deslocam aos locais através das Unidades Móveis de Intervenção Psicológica de Emergência, o que aconteceu 212 vezes no referido período na sequência de chamadas sobre suicídio, indicou o INEM.
A linha Conversa Amiga INATEL, criada em 2009 e que funciona todos os dias entre as 15:00 e as 22:00, conta com 21 voluntários e recebeu cerca de 2.500 chamadas no primeiro semestre de 2024, “número semelhante ao registado nos últimos três anos, em período homologo”, segundo a fundação.
Dos utentes do serviço, 53,5% são mulheres e 40% tem entre 41 e 60 anos, sendo que a grande maioria dos que ligam sofre de “solidão, ansiedade, depressão, bipolaridade, esquizofrenia”. As chamadas sobre “a ideação suicida” correspondem a 1,5% do total.
“As situações de ansiedade, depressão e outro qualquer problema de saúde mental têm que ter tratamento profissional. Se não forem tratadas a tendência é piorar. E como ninguém se consegue curar sozinho aí estão os números de suicídio”, salientou Francisco Paulino.
Os números oficiais indicam que todos os dias se suicidam três pessoas em Portugal, mas este responsável considera que o número real será quatro ou cinco e que “muitas famílias mascaram” a questão, devido ao “estigma que a envolve, a problemas de cariz religioso, à vergonha de (…) que os outros possam pensar que não tiveram o devido cuidado com o seu familiar”.
Para “aumentar a conscientização sobre a importância de reduzir o estigma e encorajar conversas abertas para prevenir suicídios”, a OMS escolheu como tema do Dia Mundial da Prevenção do Suicídio para o triénio 2024-2026, “Mudar a Narrativa sobre o Suicídio”.
A OMS apela a que se converse sobre o suicídio e a sua prevenção, considerando que “cada conversa, não importa quão pequena, contribui para uma sociedade solidária e compreensiva”, pedindo aos governos que ajam e que seja dada prioridade “à prevenção do suicídio e à saúde mental”, que aumente o acesso aos cuidados e que se apoie os que necessitam.
A SOS Voz Amiga atende diariamente em média 30 a 40 chamadas, mas muitas outras ficam por atender por o serviço não ter “voluntários suficientes”. Atualmente contam com 40, depois de uma dezena ter desistido desde fevereiro/março devido a “situações profissionais ou familiares”.
Das cerca de 150 pessoas que se candidataram no início do ano, só 60 se apresentaram para o processo de seleção em junho e, “depois de serem informadas das dificuldades que este serviço representa em termos de desgaste emocional, passaram 23 para a fase de entrevistas”. Estas iniciarão a formação em outubro e “estarão aptas para atender lá para janeiro/fevereiro”.
A dificuldade em arranjar voluntários foi igualmente referida pela SOS Estudante, que disse receber “um número considerável de inscrições”, mas adiantou que “o número de pessoas que entram efetivamente para o grupo de voluntários baixa bastante”.
Francisco Paulino sublinhou tratar-se de “um serviço duro”. “Somos todos pessoas sensíveis e há dramas imensos que nos tocam também a nós em termos emocionais”.
Os voluntários da SOS Voz Amiga fazem, “no máximo, um turno por semana”, de três horas, por recomendação das psicólogas de que o serviço dispõe e que semanalmente dão apoio aos voluntários.
O Dia Mundial da Prevenção do Suicídio foi estabelecido em 2003 pela Associação Internacional para Prevenção ao Suicídio em conjunto com a OMS.