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Situação financeira e de segurança nos territórios palestinianos "muito crítica" – ONG

06-09-2023 18:00h

O administrador de uma organização de saúde palestiniana distinguida pela Fundação Champalimaud alerta que a situação financeira e a segurança nos territórios palestinianos é "muito crítica", mas acredita que, tratando-se da Terra Santa, os "milagres acontecem".

Numa entrevista à Lusa em Lisboa, onde recebeu hoje o prémio em nome do Grupo de Hospitais Oftalmológicos de São João de Jerusalém (SJJEHG, na sigla inglesa), Ahmad Ma’ali, administrador da única organização filantrópica que há mais de 140 anos presta cuidados oftalmológicos especializados em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, descreveu uma situação social difícil e potenciadora de extremismos.

“Se não tivermos dinheiro suficiente, não vamos procurar cuidados oftalmológicos, vamos ignorá-los, bem como os nossos problemas de saúde. A situação financeira e a segurança na Cisjordânia e na ANP (Autoridade Nacional Palestiniana) são muito críticas neste momento, o que está a afetar todos os aspetos da vida”, frisou Ma’ali, lembrando que 75% dos licenciados em Gaza estão desempregados.

“As pessoas são realmente pobres, sem emprego e sem esperança. Infelizmente, algumas delas farão coisas estúpidas, pois não têm nada a perder. Penso que a situação política e socioeconómica está a levar as pessoas a tomar medidas muito drásticas. É muito fácil uma pessoa tornar-se extremista, pois o solo é fértil”, advertiu.

Sublinhando que ter como "principal preocupação cuidar dos doentes" e que por isso tenta manter-se "afastado da política", Ma’ali, advertiu para a facilidade de se chegar a extremismos, quando a própria ANP é “incapaz” de lidar com os problemas das pessoas, incluindo pagar atempadamente aos funcionários públicos, “afetando a capacidade de levar uma vida normal”. 

Em termos sanitários, Ma’ali considera que a situação sanitária no terreno, onde a prevalência da cegueira é 10 vezes superior à verificada no Ocidente, é “complexa”, responsabilizando quer a ANP, quer as autoridades israelitas.

“As pessoas têm os seus direitos e as suas obrigações também. Penso que há lugar para toda a gente na Terra Santa. Há lugar para os árabes, há lugar para os palestinianos, para os judeus e para toda a gente. É um território muito bonito. É triste que seja tão complicado neste momento”, acrescentou, admitindo que não existe, no futuro próximo, uma solução para o conflito israelo-palestiniano.

Para Ma’ali, o quadro político “não parece bom, parece muito mau”. 

“Mas estamos na Terra Santa, os milagres acontecem e penso que se houver líderes de ambos os lados que estejam realmente dispostos a resolver o problema e a encontrarem-se algures no meio - ninguém pode ficar com tudo e ter paz ao mesmo tempo - têm de chegar a um compromisso”, salientou o administrador do SJJEHG.

“Espero que um dia consigamos chegar a uma solução, quer se trate de uma solução com dois Estados, quer se trate de uma solução com um Estado”, sustentou.

Ma’ali aponta que uma das soluções passa pela necessidade de as pessoas, na Palestina e em Israel, terem de “crescer”.

“As pessoas têm de compreender que os israelitas e os palestinianos vão existir para sempre e que têm de aprender a viver em conjunto. Podem chegar a uma solução, quer se trate de dois Estados, de um Estado ou de qualquer outra solução”, afirmou, considerando-se uma pessoa “otimista”, mesmo apesar da realidade no terreno.

E essa realidade passa por uma maior intervenção da comunidade internacional, que se tem “esquecido” do conflito israelo-palestiniano face à invasão russa da Ucrânia.

“Sejamos honestos, (os Estados Unidos) são a superpotência, são bons aliados dos israelitas e penso que alguns esforços, como o da administração Clinton, tentaram chegar a quase 90% da solução, mas de alguma forma alguém decidiu não a seguir. Penso que os norte-americanos, se quiserem realmente resolver o problema, podem fazê-lo”, sustentou, admitindo, porém, que o cenário está agora mais complicado.

“Agora é mais complexo, porque este governo de extrema-direita em Israel torna mais difícil para os EUA e para o mundo pressionar o executivo [de Benjamim Netanyahu], porque sabemos que boa parte dele é constituída por alguns líderes de extrema-direita que, em muitos aspetos, não estão preparados para chegar a qualquer compromisso ou a encontrar-se com os palestinianos”, acrescentou.

 

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