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Grande desafio da saúde será a "sustentabilidade" da implementação de tecnologias - Cirurgião

LUSA
03-02-2020 10:18h

O cirurgião Pedro Gouveia, da Fundação Champalimaud, considerou, em entrevista à Lusa, que o grande desafio da saúde nos próximos anos é a "sustentabilidade" da implementação das novas tecnologias, dos pontos de vista ético, da eficácia e financeiro.

Pedro Gouveia, que é cirurgião de cancro da mama na Fundação Champalimaud, foi um dos participantes da conferência Building The Future, organizada pela Microsoft Portugal e que decorreu na semana passada em Lisboa.

Questionado sobre qual é o desafio da saúde nos próximos dois a três anos, o cirurgião considerou ser o de "encontrar um caminho saudável para a implementação da tecnologia na saúde que pode ser disruptiva, mas que tem de ser ética".

Ou seja, "acho que o maior desafio é, de facto, a sustentabilidade da implementação destas tecnologias, quer do ponto de vista ético, quer do ponto de vista da sua eficácia e também financeira", salientou.

"Ao longo dos anos, embora a medicina seja um setor muito conservador, tem havido uma evolução com a incorporação de novas tecnologias para ajudar os médicos a fazerem interpretações mais rápidas do estado de saúde dos doentes e para poderem, assim, fazer uma planificação mais correta e mais eficaz, ao mesmo tempo que essa interpretação e planificação são feitas de uma forma muito mais rápida", prosseguiu.

"A tecnologia entra aqui dispensando alguns passos repetitivos de texto e interpretação dos vários exames e, de facto, os novos sistemas como a realidade aumentada e introdução da inteligência artificial na radiologia permitem aos médicos que aquilo que demora 10 minutos a avaliar nos exames do doente leve em breves segundos a conseguir visualizar, por exemplo, um doente digital", explicou.

Dando o seu exemplo, a tecnologia permite visualizar a mama em formato digital, "permitindo uma interpretação rápida dos vários exames, unificados, numa só visão".

Por exemplo, no cancro da mama, permite "fundir imagens de ressonância com mamografia e ecografia, num modelo específico digital do cancro da mama e, em segundos, visualizar se o cancro da mama está na mama direita ou na esquerda, qual a sua localização e em que quadrante e qual o tamanho".

No fundo, "a tecnologia aqui permite que o médico faça uma interpretação rápida dos exames da doente, permitindo a interação com o doente, que é um pilar da medicina e do nosso juramento hipocrático", sublinhou o cirurgião.

Do ponto de vista do doente, a tecnologia também traz benefícios, já que esta minimiza e diminui os passos dos doentes desde o diagnóstico à planificação do tratamento e seguimento.

Relativamente à realidade aumentada, Pedro Gouveia salientou que a "Fundação Champalimaud promove a investigação translacional".

Isto quer dizer "que não queremos fazer apenas investigação por investigação, queremos que essa ciência tenha uma finalidade: se falarmos em termos comerciais, queremos que esta ciência se transforme num produto para os doentes. Isso é translação, que o produto da investigação sirva para chegar ao doente e não fique pelo caminho", adiantou.

Por exemplo, é feito um 'scan' do doente e depois essa informação é fundida com os dados da ressonância magnética, permitindo ter uma visão unificada do doente e da caracterização radiológica desse tumor, o que permite obter um modelo específico do doente e visualizar o tumor.

A partir daqui, entra a realidade aumentada: com um capacete de realidade aumentada, o cirurgião consegue sincronizar esse modelo 3D digital com o corpo do doente e visualizar onde está o tumor.

"O que estamos a fazer na fundação ainda não é um produto, é um 'proof of concept' [prova de conceito], ainda existe muito trabalho de desenvolvimento, mas já chegámos até aqui e naturalmente queremos continuar a desenvolver esta tecnologia que terá aplicações não só na mama como em qualquer área da medicina e do nosso corpo anatómico", acrescentou o médico cirurgião.

Sobre o advento do 5G (quinta geração móvel), Pedro Gouveia salientou que a nova tecnologia "vai permitir acelerar conceitos que já existem no âmbito do 'connected care' [saúde conectada]", mas não se pode dizer que vai aumentar vidas.

"Há um desafio particular que acho que vai ser a maior vantagem para a medicina", que é a cirurgia robótica à distância, acrescentou.

"A cirurgia robótica acontece todos os dias aqui em Portugal, quer no SNS [Serviço Nacional de Saúde], quer no privado já existem robôs que permitem que os cirurgiões façam cirurgias. Hoje temos de estar localmente onde estão o robô e o doente", uma vez que a latência [diferença de tempo entre o início de um evento e o momento em que seus efeitos se tornam percetíveis] atual é grande.

"Só com o 5G é que isto vai melhorar, mas não é garantido que isso funcione logo de início", mas "aí é que vejo um futuro promissor", considerou.

"Acho que tudo tem de ser medido e avaliado, o 5G pode ser importante na cirurgia robótica e telemedicina e 'connected care', mas, na verdade, como médico e cirurgião de cancro da mama, mais importante do que o 5G é que a investigação farmacológica desenvolva medicamentos que tornem o tratamento médico mais eficaz e que daqui a 10 anos eu consiga não operar 20% das doentes que eu hoje opero", sublinhou Pedro Gouveia.

"Essa vai ser a grande evolução", rematou o cirurgião.

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