Especialistas do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) vão avaliar, através da ferramenta digital “Brain on Track”, o desempenho cognitivo dos doentes infetados com Covid-19.
Em entrevista ao S+, Vitor Tedim Cruz, investigador do ISPUP e diretor do serviço de neurologia do Hospital Pedro Hispano, explica que, “apesar da doença principal associada ao vírus ser uma doença respiratória aguda", é possível perceber que "este vírus tem potencial para penetrar no sistema nervoso central dos doentes”, algo que já se verificou com outro coronavírus.
O neurologista acrescenta que, dos primeiros estudos que foram publicados com doentes chineses, cerca de 40% dos infetados, apresentavam sintomas neurológicos, como dor de cabeça, síndromes confusionais muito prolongados e, em alguns casos, desenvolveram acidentes vasculares cerebrais.
“Sempre que um doente passa por cuidados intermédios ou intensivos, aumenta a probabilidade de, no ano seguinte, ter algumas alterações cognitivas” No entanto, esclarece que tudo “depende da gravidade da doença e da duração de internamento."
Este projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa Gulbenkian Soluções Digitais Covid-19, vai permitir a “vigilância de sobreviventes de infeção pelo SARS-CoV-2”, que estão a ser seguidos no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e no Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, em Santa Maria da Feira.
O objetivo deste grupo de investigação é o de “tentar perceber até que ponto estas repercussões neurológicas vão ou não estar presentes nos doentes” com Covid-19. No entanto, e segundo Vítor Tedim Cruz, esta avaliação só será possível através da comparação de dados, nomeadamente, de doentes com covid-19 e pessoas que não foram infetadas com o vírus.
Do ponto de vista histórico, o neurologista, refere que nos anos seguintes ao aparecimento da gripe espanhola (1918-1920), “conseguiu-se observar uma série de episódios estranhos de encefalites, que só deixaram de surgir na altura da 2ª guerra mundial. É “até hoje um enigma. Ficou por esclarecer se esta entidade neurológica estava ou não relacionada com a epidemia”, realça Vítor Tedim Cruz. Os especialistas não querem que, também nesta epidemia, a dúvida se instale.
A ferramenta utilizada neste estudo, a Brain Track, já fazia parte de vários outros projetos de investigação em que era possível vigiar, do ponto de vista cognitivo, várias populações em risco, sem as fazer deslocar ao hospital e com uma avaliação feita a partir de casa. Agora, face a esta situação epidemiológica, é também através desta ferramenta que os especialistas propõem vigiar todos os sobreviventes de Covid-19, acompanhados nas duas instituições da Região Norte do país.
É através de um teste computacional, com a duração de cerca de 25 minutos, que vai ser feita a avaliação das funções cognitivas mais relevantes para o ser humano – memória, linguagem, raciocínio, atenção e praxias - os investigadores vão, de três em três meses, conseguir identificar a evolução das “trajetórias de desempenho cognitivo”.
Este estudo vai permitir identificar os doentes onde as consultas de neurologia e os exames complementares são fulcrais e necessários, possibilitando ainda chegar a diagnósticos mais corretos e em fases mais precoces, conclui o investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.
Apesar do projeto terminar em setembro, a ideia dos especialistas é “acompanhar a longo prazo” estes doentes, que têm de ter mais de 18 anos e, preferencialmente, estarem a ser seguidos no Hospital Pedro Hispano e no Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga.
Segundo o investigador, embora estejam a concentrar o recrutamento de doentes seguidos nestes hospitais, na possibilidade de virem a receber contactos de outras pessoas interessadas, vão avaliar se são ou não elegíveis, de forma a que outros doentes possam ser também incluídos neste estudo.
Quanto ao financiamento de 10 mil euros, Vítor Tedim Cruz, realça a sua importância: “Este financiamento permite-nos arrancar e estruturar desde cedo um projeto relativamente ambicioso”. No entanto, “a ideia é concorrer a outras fontes de financiamento para fazer crescer o projeto e o tornar mais sólido, ao longo do tempo.”
Os investigadores aguardam a avaliação por parte da Comissão de Ética das duas instituições e preveem que seja possível arrancar com esta avaliação já a partir de maio.
A iniciativa Gulbenkian Soluções Digitais, lançada no âmbito da pandemia de covid-19, vai financiar 19 projetos orientados para a promoção da saúde pública, com um total de 200 mil euros.
Portugal contabiliza 928 óbitos associados à covid-19 em 24027 casos confirmados de infeção, segundo o boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia.