O economista Miguel Cadilhe diz que Portugal não atacou os problemas estruturais da economia e, agora, com uma dívida pública elevada, terá mais dificuldades para relançar a economia após a crise provocada pela covid-19.
“Portugal sozinho está em maus lençóis para relançar a economia, na escala que se impõe”, lamenta Miguel Cadilhe, em entrevista por escrito à agência Lusa, lembrando que “o Estado não tem meios próprios que cheguem” e que a carga fiscal já “é pesada”.
Ou seja, prossegue o economista, sobram os “meios alheios”, por via da dívida pública, a que o Estado poderia recorrer, mas esses “seriam muito caros” ou “estariam pura e simplesmente vedados pela degradação do risco da República”. Isto apesar de, pertencer a uma união monetária, onde o risco é agrupado e, como tal, “muito menor”.
O primeiro ministro das Finanças dos governos de Cavaco Silva lamenta que o país se tenha iludido e não tenha sabido tirar partido da política do Banco Central Europeu (BCE) que permitiu ter juros baixos.
Os últimos números conhecidos para Portugal mostram que o país terminou 2019 com um excedente orçamental de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o primeiro saldo orçamental positivo da democracia, mas registava uma dívida pública equivalente a 117,7% do PIB. A média da zona euro, com dados de 2018, apresentava um défice orçamental de 0,5% do PIB e uma dívida pública de 85,9% do produto.
“Deveríamos ter ido às razões de fundo da dívida pública e não fomos, iludimo-nos, beneficiámos da política geral do BCE e tivemos juros extremamente baixos”, explica o economista.
Miguel Cadilhe diz mesmo que “Portugal não mexeu, a fundo, nos problemas estruturais do Estado-administração, que o mesmo é dizer do Estado-despesa e do Estado-dívida”, e lembra, citando de memória, que o primeiro-ministro, António Costa, chegou a dizer que não sabia o que era ou para que servia uma reforma estrutural.
“Agora Portugal vai em contramão numa curva fechada”, diz Miguel Cadilhe para ilustrar a situação do país.
“Defendo há anos mudanças nas funções e nos regimes do Estado, porque o Estado sobrepesa na economia e a dimensão é insustentável, sobretudo em anos maus, e este é um ano péssimo”, lamenta, recordando que escreveu sobre a necessidade desta mudança num livro publicado em 2005, e de novo em 2013.
“Agora, em 2020, poderia reeditar o livro com praticamente as mesmas recomendações dirigidas a um ‘grande reformador’ imaginário, porque, entretanto, infelizmente, a despesa pública e a carga fiscal aumentaram. O dito ‘grande reformador’ não apareceu e não é plausível que apareça em governos de pendor conjuntural”, conclui Miguel Cadilhe.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a economia mundial tenha uma recessão de 3% em 2020, fruto do apelidado “Grande Confinamento” devido à pandemia de covid-19, de acordo com as Perspetivas Económicas Mundiais divulgadas na terça-feira.
Para Portugal, o Fundo prevê uma contração da economia de 8% em 2020 e que o desemprego atinja os 13,9%.