O presidente do Conselho Europeu de Investigação, que coordena os programas de investigação científica na União Europeia (UE), demitiu-se, “desiludido” com a resposta à pandemia provocada pelo novo coronavírus, segundo uma carta divulgada pelo Financial Times.
Mauro Ferrari anunciou a demissão numa carta, publicada pelo jornal britânico, em que afirma “ter perdido a fé no sistema”.
“O professor Mauro Ferrari apresentou a sua demissão […] a 07 de abril. A demissão tem efeitos imediatos, como foi pedido”, confirmou hoje um porta-voz da Comissão Europeia, sem dar mais pormenores.
A Comissão disse lamentar a saída do professor “em princípio de mandato e nestes tempos de crise sem precedente em que o papel da investigação europeia é essencial”.
Num comunicado enviado mais tarde, a Comissão anunciou a nomeação de Stephen Quest, até agora responsável máximo pela Direção Geral de Fiscalidade e União Aduaneira (TAXUD), para suceder a Mauro Ferrari.
Quest, que trabalha para a Comissão Europeia desde 1993 e dirigia o TAXUD desde 2016, iniciará funções a 01 de maio, acrescenta a CE.
Mauro Ferrari, que estava há apenas três meses em funções, para um mandato de quatro anos, afirma na carta que a estratégia que elaborou para apoiar a investigação face à pandemia foi recusada pelo conselho científico do Conselho Europeu de Investigação (European Research Council, ERC).
“Fiquei claramente desiludido e profundamente perturbado com a rejeição unânime”, escreveu na carta, publicada integralmente pelo Financial Times.
O cientista, especialista em nanomedicina, afirma que a recusa foi justificada com o argumento de que a missão do ERC é apoiar projetos propostos por cientistas “de baixo para cima” e não macroprogramas “de cima para baixo” com objetivos definidos pelas entidades europeias.
O seu plano, afirma, visava lançar um programa especial de financiamento para os melhores cientistas do mundo investigarem como combater a pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2, com vacinas, medicamentos e ferramentas de diagnóstico.
Explica ter tido a possibilidade de trabalhar diretamente com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a quem apresentou o plano e de quem recebeu uma série de orientações, o que causou uma “tempestade política interna”.
“A proposta passou por diferentes camadas da administração da Comissão Europeia, onde creio que se desintegrou por impacto”, escreve.
O cientista italo-americano, que planeia agora lançar nos Estados Unidos uma iniciativa internacional de investigação do novo vírus, lamenta “a completa falta de coordenação entre as políticas de saúde dos Estados-membros, a oposição recorrente a iniciativas de apoio financeiros e os persistentes encerramentos unilaterais de fronteiras” na UE.
“Cheguei à ERC como fervoroso europeísta. A crise de covid-19 mudou completamente a minha opinião”, escreveu.
Fundada em 2007 para financiar os melhores cientistas da UE, a ERC tornou-se uma das agências mais prestigiadas do mundo, com um orçamento anual de cerca de 2.000 milhões de euros, segundo o Financial Times.
O novo coronavírus, surgido em dezembro, na China, já infetou cerca de 1,4 milhões de pessoas em todo o mundo, mais de 80 mil das quais morreram.
O continente europeu, com cerca de 735 mil infetados e mais de 57 mil mortos, é a região do mundo onde se regista atualmente o maior número de casos.