A pandemia de covid-19 deixou Ponta Delgada praticamente deserta. As poucas pessoas que circulavam hoje no centro da cidade açoriana foram tratar de serviços essenciais e os poucos empresários que mantinham as portas abertas mostravam-se apreensivos.
Os Açores registam até hoje 22 doentes infetados pelo novo coronavírus e não têm mortes por covid-19. São Miguel regista cinco destes 22 casos, sendo os restantes seis da ilha Terceira, três do Faial, sete de São Jorge e um no Pico.
Numa cidade quase vazia, um dos locais mais concorridos é o posto dos CTT, onde cinco pessoas aguardavam esta tarde a sua vez fora do estabelecimento, mantendo a distância de segurança entre si. Marlene Rodrigues era uma delas.
"Vim apenas por motivos profissionais, preciso de enviar uma carta para Espanha", assinalou à agência Lusa a jovem de 30 anos, confessando que não esperava encontrar Ponta Delgada com tão pouca gente.
"Não esperava ver a cidade tão deserta, mas ainda bem que assim é. Concordo com todas as medidas de prevenção. Acho que se tivessem sido adotadas mais cedo as coisas em Portugal continental estariam melhores", apontou.
Na rua Conselheiro Dr. Luís Bettencourt, além do posto dos CTT, encontram-se as paragens que marcam o início e o fim das rotas dos ‘mini-bus’ de transporte público dentro da cidade. Apenas Rosa Bento se encontrava a aguardar o autocarro e confessou estar "receosa" por ter de andar de transporte público.
"Há oito dias que estava fechada em casa. Desde que a miúda deixou de ter escola que me retive casa", afirmou, explicando que apenas saiu hoje para vigiar o apartamento de uma amiga que se encontra em Lisboa.
"Acho que a cidade está razoável. Nem muito, nem pouco, as pessoas estão com segurança. E está a trabalhar aquilo que é normal. Certas coisas não podem encerrar totalmente", afirmou.
Na rua transversal, a Açoreano Oriental, a funcionária bancária Maria Martins aproveitou uma pausa no trabalho para comprar medicamentos necessários.
"Apenas saio para o essencial. Nem faço passeios porque o meu passeio é para vir trabalhar. Já tenho este passeio", destacou, concordando que os bancos se mantenham abertos: "Não sabemos quanto tempo vai durar esta situação e temos de saber viver com ela".
Mais ao lado, Ana Cabral encontrava-se a carregar dois sacos de compras. Passou por três supermercados e em nenhum sentiu falta de produtos.
"Os supermercados têm de tudo. Não senti falta de nada. Em um esperei 10 minutos para entrar, nos outros nem tinha fila", salientou.
Ana Cabral mostrou-se, contudo, "preocupada" com a pandemia de Covid-19, até porque as duas filhas estão em quarentena em Vila Real e em Coimbra.
"É muito complicado. Mexe com a vida e com o sistema nervoso. É ir vivendo um dia de cada vez, estando a par das notícias, falo com as minhas filhas todos os dias por vídeochamada e faço as compras para elas ‘online’", disse, adiantando que ao chegar a casa iria desinfetar as mãos e lavar a roupa com que saiu à rua.
Os cafés, bares e lojas de Ponta Delgada estão praticamente todos encerrados. O Louvre Michaelense, café com serviço de restauração, é uma das exceções.
"Fechámos as portas, mas continuamos o 'take away'. Fizemos um menu para ‘take-away’ que muda todas as semanas e especiais para todos os dias", explicou a proprietária, Catarina Ferreira.
Para este estabelecimento, o desafio é "assegurar os postos de trabalho", "pagar as contas" e motivar a equipa e os clientes. Para isso, organizou um concurso nas redes sociais para premiar a "foto mais criativa" tirada pelos clientes aos pratos servidos em ‘take-away' (venda para fora).
"Estamos com a equipa toda motivada para tentar fazer o melhor que podemos e tentar levar algum conforto a casa. O ‘feedback’ também é ótimo, recebemos mensagens de agradecimento", afirmou.
Apesar de descrever o futuro como um "caos", Catarina Ferreira disse que vão tentar "até à ultima" manter o serviço a funcionar.
Menos confiante está o gerente do snack-bar Trianon, Vítor Patronilha, que confessou já ter "mandado cinco funcionários para casa" temporariamente. Ele e o filho fazem com que o estabelecimento continue a funcionar por 'take-away', mas com "seis, sete encomendas por dia" o serviço não tem estado de feição.
"Vai ser muito complicado aguentar isso. Como tínhamos um movimento muito aceitável, tinha um bom ‘stock’ de produtos. O que me força a estar aqui também são os prazos [de validade], que começam a terminar", comentou, referindo que esta é também uma maneira de se distrair.
Salientando que toma todas as medidas de higienização exigidas, o empresário considerou que os apoios dos governos regional e da República "hão de dar uma ajuda", mas não se mostrou muito esperançado.
Complementarmente às medidas nacionais, o Governo dos Açores lançou na semana passada sete medidas para apoiar as empresas da região, entre as quais a criação de uma linha de apoio à manutenção do emprego, um apoio urgente à tesouraria e um complemento regional ao regime de suspensão temporária da atividade simplificado.
Medidas a que, para já, o supermercado Príncipe dos Queijos não vai aceder. "O meu contabilista disse-me que as medidas não nos servem", apontou o proprietário Milton Bernardo, "muito preocupado quanto ao futuro".
Com cinco funcionários, a empresa regista uma quebra de vendas na ordem dos 70%, pelo que não sabe se "vai aguentar muito tempo" de portas abertas se "a situação continuar assim".
"As pessoas têm vindo buscar só os bens essenciais, porque o resto dos produtos estão parados. Os clientes são apenas de cá e vêm sempre numa pressa porque estão com medo", resumiu.
Além de supermercados e restaurantes, a ótica Domingos Vieira era das poucas abertas - mas apenas durante a manhã. Esteve vários dias fechada, mas decidiu reabrir esta semana para prestar assistência a clientes que "precisassem do serviço".
Quanto ao futuro, a incerteza parece ser a palavra de ordem: "Em princípio vamos manter-nos abertos. A ver vamos, é tudo muito relativo, é tudo muito incerto", afirmou a funcionária Isabel Vicente, a única pessoa que a Lusa encontrou com luvas.