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Covid-19: Pandemia coloca emissão comum de dívida na agenda europeia

LUSA
24-03-2020 16:36h

A pandemia de covid-19 colocou inesperadamente na agenda europeia a questão da mutualização da dívida, sendo cada vez mais as vozes a defender a emissão de obrigações pan-europeias, ou ‘coronabonds’, para amortecer o brutal impacto socioeconómico do novo coronavírus.

Impensável há algumas semanas, a eventual emissão comum de dívida europeia, que foi liminarmente rejeitada mesmo no auge da crise das dívidas soberanas na zona euro, em 2012 – então a solução era apresentada como ‘eurobonds’ –, é hoje a resposta que muitos economistas e líderes políticos advogam para evitar uma nova crise de grandes dimensões no espaço da moeda única, agora com a novidade de ser equacionada até por países como a Alemanha, o grande opositor à ideia há oito anos.

A Europa já tem avançado com algumas medidas de peso, como o programa de compra de ativos no valor de 750 mil milhões de euros anunciado pelo Banco Central Europeu (BCE) e a suspensão temporária das regras orçamentais em matéria de défice previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), proposta pela Comissão Europeia e aprovada na segunda-feira pelos ministros das Finanças da UE, de modo a que os Estados-membros possam investir os recursos necessários para conter a pandemia.

Contudo, mesmo com este compromisso assumido ao nível europeu de os Estados-membros não virem a ser sancionados pela vertente punitiva do PEC por derrapagens nas suas contas públicas devido aos esforços para combater a covid-19, parece óbvio que sê-lo-ão inevitavelmente no futuro, a nível de endividamento nos mercados, quando precisarem de financiar os seus défices, elevando a dívida pública – que no caso de Portugal já é particularmente elevada – e ficando mais vulneráveis nos mercados financeiros e sujeitos a pesadas taxas de juro.

Atualmente, cada país da zona euro emite títulos de dívida nos mercados de obrigações, com garantias nacionais. Os ‘coronabonds’ seriam emitidos em nome da União Europeia, o que significa que seriam emissões de dívida partilhadas pelo conjunto dos Estados-membros, protegendo assim os mais frágeis de especulações de mercado e taxas de juro altíssimas.

À medida que a covid-19 se propaga na Europa, são cada vez mais aqueles que se pronunciam a favor desta solução, a começar pelo primeiro-ministro do país europeu para já mais ‘massacrado’ pela pandemia, a Itália – Giuseppe Conte é, de resto, o ‘autor moral’ dos 'coronabonds' –, imediatamente seguido pelo chefe de Governo espanhol, Pedro Sánchez, mas também vários governadores de bancos centrais, incluindo o do Banco de Portugal.

Num artigo de opinião na Reuters e divulgado na segunda-feira pelo Banco de Portugal, Carlos Costa considera que o combate à atual crise não pode ficar dependente de cada Estado-membro e pediu uma resposta europeia conjunta, defendendo então a emissão de ‘coronabonds’ pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), como forma de prevenir uma “segunda crise da dívida soberana”.

“Uma opção que merece uma análise mais aprofundada é a possibilidade de o Mecanismo Europeu de Estabilidade emitir ‘coronabonds’, com os recursos canalizados para todos os Estados-membros confrontados com essa necessidade, reembolsáveis a longo prazo através do orçamento comunitário (e, para o efeito, expressamente previstas no quadro financeiro plurianual) sem impacto imediato nas posições orçamentais individuais dos Estados-membros”, escreveu.

Neste contexto, a criação de obrigações europeias que mutualizem uma parte da dívida pública dos Estados-membros da UE volta a ser colocada em cima da mesa, e desta feita parece ser uma ideia com ‘pernas para andar’, sobretudo porque já não é rejeitada logo à partida pelos ‘falcões’ da disciplina orçamental na zona euro, como Alemanha e Holanda, cujas economias também sentem, desta feita, e tal como os restantes Estados-membros, os enormes choques provocados pela pandemia, cuja amplitude ainda está por determinar. Também a Comissão Europeia diz-se aberta a esta possibilidade.

Mas mesmo que haja um entendimento – que continua a ser tudo menos fácil de alcançar – sobre a mutualização da dívida e partilha de riscos, é preciso determinar um modelo, e uma das soluções mais avançadas por economistas, governadores de bancos centrais e dirigentes políticos é a de recorrer ao novo fundo de resgate permanente da área do euro, o MEE.

Carlos Costa nota que atualmente ainda não existe uma entidade disponível para a emissão, pelo que são urgentes “soluções inovadoras”, propondo por isso a emissão de “coronabonds” pelo MEE, devendo esses títulos de dívida ter maturidades longas, por exemplo 30 anos, de modo a “diluir o impacto nas contribuições anuais dos Estados-membros” para a amortizar.

Os fundos seriam alocados a cada país em função das necessidades, e a única condicionalidade seria a óbvia obrigação de os mesmos serem única e exclusivamente dirigidos para gastos relacionados com o impacto da covid-19.

Certo é que o debate está lançado e a questão sobre a mesa, sendo a prova mais evidente a postura da Alemanha, principal economia europeia. Em 2012, a chanceler alemã, Angela Merkel, rejeitou todos os apelos para a criação de ‘eurobonds’, afirmando mesmo que tal não sucederia “enquanto for viva”. Desta feita, ‘mandatou’ o seu ministro das Finanças para discutir a questão na reunião do Eurogrupo que se realiza hoje ao final da tarde, por videoconferência.

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