Dezenas de peritos vão reunir-se em Lisboa, numa iniciativa que culminará num conjunto de recomendações para aproveitar melhor os dados de saúde, permitindo avaliar o impacto das politicas publicas e reduzir custos do sistema.
A iniciativa “Mais Dados melhor Saúde”, desenvolvida pelo Instituto Superior Técnico (IST), surge numa altura e que os sistemas de saúde europeus enfrentam pressão financeira, desafios demográficos e novas possibilidades tecnológicas e pretende ajudar Portugal a definir um modelo de acesso secundário (para investigação, estatística e planeamento) a dados de saúde.
“É a oportunidade perfeita. Já que estamos a montar toda a infraestrutura de acesso aos dados que irá ser obrigatória do ponto de vista europeu, passa a ser uma ótima oportunidade para montar uma estrutura que retire todo o potencial que estes dados têm”, disse à Lusa Eduardo Costa, coordenador da iniciativa “Mais Dados, Melhor Saúde”.
Segundo Eduardo Costa, Portugal “não parte do zero”, já tem vantagens como “uma boa base tecnológica”, uma agência digital para a saúde (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde) - “que muitos países não têm” -, um número de utente único, que permite cruzar e identificar o mesmo utente em base a dados diferentes, e uma população que está habituada a usar o SNS 24 (App e linha telefónica).
Apesar disso, aponta algumas matérias em que Portugal ainda está aquém do desejável, como o não existir "uma porta de entrada única para pedidos de acesso a dados. Ou seja, em vez de terem de ser pedidos dados a cada uma das 39 Unidades Locais de Saúde, haver um portal único que permita centralizar esses pedidos”.
“Temos situações em que não é óbvio para o doente que dados é que estão a ser utilizados. E uma vez que os dados são dos doentes, é importante garantir que há transparência e segurança nessa utilização”, afirmou Eduardo Costa, apontando ainda a necessidade de “mecanismos de transparência” sobre os projetos que pedem acesso aos dados e que tipo de dados estão a ser recolhidos. Até para que os doentes possam escolher, como no Reino Unido, se não quiserem que os seus dados sejam usados.
Parte do trabalho da iniciativa já foi feito – análise/ diagnóstico da situação nacional e comparação com casos internacionais – e agora os especialistas partem para a discussão pública, que culminará na elaboração das recomendações, que deverão ser entregues em março ao Governo.
A reunião de hoje servirá para validar o diagnóstico dos peritos, que aponta algumas vantagens do caso português, assim como as lacunas que ainda tem, como um enquadramento juridico fragmentado, a falta de um Organismo Nacional de Acesso a Dados e de um catálogo nacional de integração de metadados, assim como a integração limitada de prestadores privados.
Os especialistas concluem pela necessidade de melhorar o planeamento e gestão do Serviço Nacional de Saúde, reutilizando os dados de forma sistemática para identificar necessidades, monitorizar acesso e resultados e desenhar políticas públicas eficazes.
“Se eu precisar de desenhar um programa de luta contra a obesidade, preciso de saber onde é que são estes doentes, quais é que são as características dos doentes, como é que circulam no sistema de saúde. E, para isso, preciso de analisar a imensidão de dados que nós produzimos todos os dias no nosso sistema, algo que neste momento nós fazemos de forma relativamente incompleta”, explicou Eduardo Costa, acrescentando: “os nossos dados estão segregados em entidades diferentes e muitas vezes temos dificuldade em ligá-los uns aos outros”.
Sublinha que a "organização secundária de dados" pode ajudar a reduzir custos do sistema de saúde, a desenhar sistemas de saúde mais eficientes e perceber como tornar o percurso do doente mais eficiente, com ganhos em saúde.
“Permite-me perceber, por exemplo, medicamento a medicamento, que valor é que estas terapias estão a gerar”, disse o especialista, referindo-se a uma das matérias muito mencionadas pelos administradores hospitalares, sobretudo pelo constante aumento anual das despesas em medicamentos.
Lembra ainda que esta utilização secundária permite igualmente perceber se determinado programa de prevenção traz ou não os resultados esperados, para poder ajustar medidas: “Na prática, ter políticas públicas em saúde e decisões de investimento em saúde que sejam mais inteligentes”.