SAÚDE QUE SE VÊ

Interna que denunciou más práticas cirúrgicas em Faro participou em mais de 180 cirurgias

LUSA
21-10-2025 18:59h

A médica interna que denunciou más práticas no Hospital de Faro disse hoje em tribunal que nos primeiros três meses de internato participou em mais de 180 cirurgias, na sua maioria como ajudante, mas também como cirurgiã principal.

Diana Pereira, que hoje prestou declarações de parte no âmbito do processo cível que corre termos no Tribunal de Faro, está a ser julgada por difamação depois de ter denunciado 11 casos de alegadas más práticas cirúrgicas no Hospital de Faro, em 2023.

Em tribunal, a médica relatou que, além de muitas pequenas intervenções, em apenas um mês um meio de formação fez nove apendicectomias laparoscópicas (remoção do apêndice com técnica cirúrgica minimamente invasiva), inclusivamente em crianças e como cirurgiã principal, quase sempre acompanhada do seu orientador, Pedro Henriques.

“Foi em Portimão [hospital para onde foi transferida depois de ter pedido suspensão de funções em Faro] que comecei a notar que me faltavam básicos que me deviam ter ensinado primeiro, muito antes de ter realizado cirurgias laparoscópicas”, referiu.

Diana Pereira descreveu que se sentia “nervosa e com medo” de não conseguir executar bem determinados passos das cirurgias, queixando-se da responsabilidade que tinha em tão pouco tempo de formação, o que acabou por levá-la a pedir que lhe fosse atribuído um novo orientador.

A médica afirmou ter começado a colocar em causa a competência de Pedro Henriques como orientador logo nas primeiras semanas de internato, quando o que via acontecer no bloco operatório não correspondia aos vídeos educativos que visualizava quando se preparava para as cirurgias.

A ré assumiu em tribunal ter chegado a um ponto de “exaustão” depois de ter assistido a vários casos de alegadas más práticas por parte deste, sentindo que não podia continuar a “compactuar” com aquelas situações, pois isso fazia de si cúmplice, tendo acabado por fazer uma queixa à Polícia Judiciária.

Também ouvido em tribunal, o cirurgião Manuel Parreira, que fazia parte da equipa de Diana Pereira, descreveu Pedro Henriques, que fora seu interno, como um médico que “necessitava de apoio de uma pessoa mais diferenciada quando havia intervenções mais complicadas”.

Reconhecendo ter havido algumas queixas sobre a prática clínica daquele cirurgião, Manuel Parreira admitiu ter a perceção de que havia mais novas intervenções após as cirurgias realizadas por Pedro Henriques - comparativamente a outros cirurgiões -, já que, nestas, as complicações “eram mais frequentes”.

“Era comentado no seio da equipa e tentávamos que as coisas melhorassem. [Entre os cirurgiões] Dizíamos que aquele caso podia ter sido feito de outra maneira, com menos complicações. Havia complicações que eram evitáveis, foi a ideia com que fiquei”, declarou o cirurgião.

O diretor clínico do antigo Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA) na altura dos factos, Horácio Guerreiro, alegou em tribunal nunca ter pensado que Diana Pereira tivesse o intuito de prejudicar o orientador, dizendo, no entanto, ter achado que esta “podia não estar a julgar bem”.

Nesse sentido, e por ter colocado em causa a “sensatez” do ato de denúncia de Diana Pereira, Horácio Guerreiro fez à Saúde Pública um pedido para que esta fosse sujeita a uma avaliação psiquiátrica, que não chegou a acontecer.

O processo de difamação contra Diana Pereira foi movido por Gildásio Martins dos Santos, diretor do serviço de Cirurgia na altura dos factos, que pede uma indemnização de 172 mil euros e acusa a médica interna de ter “manchado o seu bom nome e reputação”.

A queixa versava sobre 11 casos, tendo três dos doentes visados nos procedimentos cirúrgicos alegadamente incorretos acabado por morrer, tendo os restantes ficado com lesões corporais associadas a alegados erros médicos, que incluem a castração acidental, perda de rins ou necessidade de colostomia para o resto da vida.

As alegações finais do processo estão marcadas para a próxima terça-feira às 13:45.

MAIS NOTÍCIAS