O toxicologista Ricardo Dinis Oliveira alerta que é preciso “agir rapidamente” para combater o “pântano” das Novas Substâncias Psicoativas (NSP), defendendo a criação de laboratórios clínicos e forenses e ações de dissuasão nas escolas.
“As NSP trouxeram um pântano para a realidade que nós hoje vivemos com a imensidão de frentes de combate. Quando durante mais de 100 anos tivemos quatro dessas frentes, hoje temos, se calhar, quatro novas por dia. É um mundo muito difícil de controlar”, afirma o professor catedrático no Instituto Universitário de Ciências da Saúde da Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (CESPU).
Em declarações à Lusa, Ricardo Dinis Oliveira lembra que durante décadas existiram, sobretudo, quatro grupos de substâncias (cocaína, canabinoides, opioides e anfetaminas), uma situação que se alterou com as NSP, onde o limite é “aquilo que a imaginação humana pode criar”.
“Só vamos à procura daquilo que sabemos que existe, mas introduz-se muito mais substâncias do que aquelas que conseguimos identificar. Elas aparecem no mercado e nós nem sabemos que elas existem. Demoramos tempo a identificá-las”, explica.
Apesar de as NSP terem uma grande prevalência nos Açores e Madeira, o toxicologista acredita que o “peso muito grande de cocaína e heroína” no continente acaba por “abafar aquela realidade” que também existe no restante território nacional.
No caso dos Açores, tem “entrado sistematicamente nas ruas” a catinona, uma substância que é só a “ponta do icebergue”, uma vez que é misturada com outras, originando um “produto muito potente” que “queima os neurónios”.
“Passaram-se mais de 20 anos que essas NSP estão no mercado e nós nem sequer começamos a reagir. Ainda estamos a pensar, erradamente, que vamos trabalhar com elas da mesma forma como trabalhamos com as clássicas”, lamenta.
O docente identifica como prioritário a diminuição do tempo entre a entrada no mercado de uma nova droga sintética e a sua identificação e avisa que a criminalização não vai travar o consumo.
“Quando uma substância é criminalizada, logo a seguir surgem não sei quantas outras porque a capacidade de modificar as moléculas químicas, aumentando o poder toxicológico, aditivo e euforizante destas substâncias, é enorme”, sublinha.
Ricardo Dinis Oliveira, que é investigador numa unidade onde 70 doutorados estudam aquelas substâncias, diz ser necessário “agir rapidamente” até porque na produção das NSP estão pessoas com “elevado grau de conhecimento”.
“Grande parte das substâncias que estão a chegar aos Açores, e um pouco por todo o continente europeu, são oriundas dos países que nós cientistas melhor reconhecemos pela capacidade química, de síntese e invenção de novas substâncias, como a China e Índia”, destaca.
O especialista adianta que no Porto já existem programas de dissuasão em escolas secundárias e assinala que o combate deve ser em “múltiplas frentes”.
“Vamos ter de atuar em múltiplas frentes, desde logo desenvolvendo laboratórios, institutos, sejam eles clínicos ou forenses, para rapidamente fazer um diagnóstico de quem consome e identificar imediatamente as substâncias”, defende.
Ricardo Dinis Oliveira reforça ainda que “enquanto as substâncias não forem identificadas, não se vai saber como tratar as pessoas”.
“A sociedade ainda não está pronta para reagir. Fala-se de salas de administração assistida. Muito bem. Longe de ser isso ser a solução, a solução vai ter de ser multifatorial”, defende.
Nos Açores, o combate às drogas sintéticas tem marcado o debate político. O Governo Regional (PSD/CDS-PP/PPM) tem apelado à criminalização e criou uma ‘task-force’ para combater o flagelo, enquanto o PS defende a prevenção nas escolas e mais “respostas terapêuticas e residenciais”.