A principal autoridade internacional em crises alimentares alertou hoje que “o pior cenário de fome está atualmente a desenrolar-se na Faixa de Gaza”, prevendo “mortes generalizadas” se não for tomada uma ação imediata.
O alerta ainda não constitui uma declaração formal de fome, situação muito rara e que precisa de dados e mobilidade interna que não é possível ter em Gaza atualmente.
Ainda assim, de acordo com a Classificação Integrada de Fases (IPC) - um sistema de monitorização usado por agências humanitárias internacionais para determinar o nível de fome num país ou região -, Gaza está à beira da fome há dois anos e os “bloqueios cada vez mais rigorosos de Israel” têm “piorado drasticamente” a situação.
Segundo os especialistas, neste caso, a declaração de fome é apenas uma formalidade, já que, sublinham, não precisam disso para saber o que estão a ver.
“Assim como um médico de família pode frequentemente diagnosticar um paciente com quem está familiarizado com base em sintomas visíveis, sem ter de enviar amostras para o laboratório e esperar pelos resultados, também podemos interpretar os sintomas de Gaza. Isto é fome”, afirmou o diretor executivo da Fundação Mundial para a Paz e autor de “Fome em Massa: A História e o Futuro da Fome”, Alex de Waal, citado pela agência de notícias norte-americana AP.
A pressão internacional levou Israel a anunciar medidas no fim de semana, incluindo pausas humanitárias diárias nos combates e lançamentos aéreos de ajuda humanitária, mas a ONU afirma que pouco mudou.
O IPC declarou fome apenas algumas vezes: na Somália em 2011, no Sudão do Sul em 2017 e 2020, e em partes do Darfur, no Sudão, no ano passado.
Uma área é classificada como estando em situação de fome quando se confirmam três condições: que pelo menos 20% das famílias sofram de extrema falta de alimentos ou estejam essencialmente a passar fome, que pelo menos 30% das crianças dos seis meses aos cinco anos sofrem de subnutrição aguda ou definhamento, e que pelo menos duas pessoas ou quatro crianças com menos de cinco anos em cada 10.000 morram diariamente devido à fome.
O último relatório do IPC baseia-se em informações disponíveis até 25 de julho e refere que a crise atingiu “um ponto de inflexão alarmante e mortal”, tendo a maior parte de Gaza atingido o limiar da fome e estando atualmente no pior nível desde o início da guerra.
A análise refere ainda que quase 17 em cada 100 crianças com menos de cinco anos na Cidade de Gaza sofrem de subnutrição aguda.
Já em mio, o IPC avisava que Gaza iria provavelmente entrar em crise de fome se Israel não levantasse o bloqueio e interrompesse a sua campanha militar, mas o alerta de hoje apela a uma ação imediata e em grande escala.
“A falta de ação resultará agora em mortes generalizadas em grande parte da Faixa de Gaza”, sublinha o relatório.
A guerra em curso em Gaza foi desencadeada pelos ataques liderados pelo grupo islamita palestiniano Hamas em 07 de outubro de 2023 no sul de Israel, que causaram cerca de 1.200 mortos e fizeram mais de duas centenas de reféns.
A retaliação de Israel já provocou quase 60 mil mortos e incluiu a imposição de um bloqueio de bens essenciais a Gaza. Em março, Telavive cortou a entrada de todos os bens, incluindo alimentos, medicamentos e combustível.
Israel flexibilizou estas restrições em maio, mas também avançou com um novo sistema de prestação de ajuda humanitária apoiado pelos Estados Unidos, que tem sido abalado pelo caos e pela violência.
Os fornecedores de ajuda humanitária tradicionais, liderados pela ONU, afirmam que as entregas têm sido prejudicadas pelas restrições militares israelitas e por incidentes de pilhagens, enquanto criminosos e multidões famintas invadem os comboios.
Apesar dos alertas, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, garantiu que ninguém está a passar fome em Gaza e que Israel prestou ajuda suficiente durante a guerra.
“Caso contrário, não haveria habitantes em Gaza”, argumentou.