Uma responsável do governo das Canárias, Espanha, afirmou hoje terem sido detetados, no ano passado, 72 casos de mutilação genital feminina no arquipélago, que justificou com o aumento dos fluxos migratórios de várias origens.
Segundo a subdelegada do governo em Las Palmas, Teresa Mayans, os casos terão sido praticados nos países de origem e foram detetados pelo Serviço de Saúde das Canárias.
A representante do executivo regional, que falava na conferência “Compreender para Transformar”, organizada pela Delegação do Governo nas Canárias e pela Casa África, em colaboração com a organização “Salvar uma Rapariga, Salvar uma Geração”, exortou a população a protestar contra estas práticas brutais.
A mutilação genital feminina constitui “uma aberração para a qual não existe tradição ou justificação cultural que legitime a dor insuportável” sofrida pelas vítimas, sublinhou.
“É uma prática que não víamos nas Canárias, mas, com os fluxos migratórios, estamos a começar a vê-la, e as idades” das vítimas detetadas nas ilhas variam entre os três e os 48 anos, descreveu Teresa Mayans, lembrando que a mutilação genital feminina “provoca problemas físicos e psicológicos para o resto da vida e afeta permanentemente as relações sexuais e até a maternidade”.
Por violarem os direitos das mulheres, acrescentou a representante, foi aprovada legislação contra estas práticas em Espanha, pelo que estas mutilações são atualmente puníveis com penas de prisão, “quer quando são praticadas aqui [em Espanha], quer quando estas raparigas e mulheres vão de férias aos seus países de origem” e aí são sujeitas à prática.
Isso pode levar “à detenção dos seus pais e à perda dos seus direitos parentais”, acrescentou Teresa Mayans.
Apesar de ilegal, a fundadora da organização “Salvar uma Rapariga, Salvar uma Geração” admite que o ato possa estar a ser praticado em território europeu, nomeadamente nas Canárias.
Segundo Asha Ismail, queniana de etnia somali e sobrevivente, tal como a filha, de mutilação genital, o crime pode estar a ser praticado em mulheres em Espanha por famílias que pagam passagens aéreas a “mutiladores” e os alojam na Europa.
Por isso, e porque está convencida que a lei não é suficiente para impedir a continuidade da prática, Teresa Mayans apelou à necessidade de serem realizadas “intervenções culturais”, realizadas em conjunto com as associações.
“É necessária uma ação transversal que permita o envolvimento de todos os atores” incluídos nestas práticas, frisou ainda Teresa Mayans.
Estas sessões contarão com a participação de representantes de organizações sociais, profissionais de saúde, académicos, jornalistas especializados e agentes das Unidades de Atenção à Família e à Mulher (UFAM) e da Polícia Judiciária.
Asha Ismail salientou também que cerca de 230 milhões de raparigas e mulheres vivem com as consequências da mutilação genital feminina, que está presente em pelo menos 94 países em todo o mundo.
De acordo com os últimos relatórios da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), existe uma concentração significativa desta prática em certas regiões do mundo, particularmente em África, mas isto acontece também na Europa, Ásia e Américas.
Em resposta aos riscos que as raparigas e as mulheres enfrentam ao viajar para os seus países de origem, a organização não-governamental (ONG) “Salvar uma Rapariga, Salvar uma Geração” criou uma “carta de proteção”, que está publicada em formato de passaporte em francês e inglês.
Esta carta visa garantir que as suas famílias “estão cientes das consequências legais” da mutilação genital feminina em Espanha, segundo a ONG.
O documento não oficial é-lhes entregue antes de viajarem para casa e visa garantir que os seus familiares compreendem “que, em Espanha, esta é uma forma de violência”, explicou ainda a organização.