Cerca de 40 pessoas com fibromialgia reuniram-se hoje junto ao Ministério da Saúde, em Lisboa, num protesto silencioso contra a “corrupção clínica”, exigindo que as juntas médicas façam “a avaliação correta” do que é um doente com aquela patologia.
Em declarações à agência Lusa, a diretora do Núcleo de Intervenção e Apoio à Fibromialgia (NIAF), Fernanda Margarida, disse que o protesto foi “uma tentativa de ser ouvida em nome dos doentes que sofrem terrivelmente pela ignorância do país, pela ignorância da classe médica”.
“Existe uma verdadeira corrupção clínica. Eu não tenho vergonha de lhe chamar desta forma. Os médicos aproveitam-se do sofrimento destes doentes. Não pode continuar a acontecer uma coisa tão grave como esta. Os doentes sofrem. Saiu na Organização Mundial de Saúde em 01 de janeiro de 2022 como [doença] crónica primária”, salientou.
A também responsável pelo movimento “Fibromialgicos Unidos Pela Saúde” (https://www.facebook.com/FibromialgicosUnidos/), que pretende “apoiar os doentes em todas as frentes das suas necessidades”, adiantou que há 400 mil pessoas com fibromialgia em Portugal, que se sentem “desprezadas e ignoradas”.
“A grande maioria dos médicos do nosso país nem sequer sabe que existe uma norma diagnóstica para a fibromialgia. Nem sequer sabem. Dá trabalho, dá. É difícil o diagnóstico. É assim, senhor. Mas os doentes existem. Os doentes sofrem”, indicou.
Segundo Fernanda Margarida, que foi recebida pela secretária-geral do Ministério da Saúde, Ana Pedroso, a maioria dos médicos desconhece a doença crónica caracterizada por queixas neuromusculares dolorosas.
“São doentes, sofrem muito, recorrem a tudo e mais alguma coisa para evitar esse sofrimento. Largam tudo, largam famílias, pensam em suicídios, porque não têm o tratamento devido clínico”, lamentou.
A antiga presidente da Associação Portuguesa de Doentes com Fibromialgia (APDF) disse ainda que estiveram presentes na concentração silenciosa 42 pessoas provenientes do Porto, entre as 15:00 e as 17:00.
Sofia Guerreiro, de 56 anos, adiantou à Lusa que foi “apanhada de surpresa” pela doença em 2016.
“Já estou a sofrer há muitos anos”, salientou, dizendo que não sente “apoio nenhum a nível dos médicos de saúde como das entidades patronais”, porque “ninguém quer saber” quem são as “pessoas com uma doença incapacitante”.
A mulher que trabalha no ramo automóvel disse que tem acompanhamento psicológico “para conseguir lidar com a dor”.
Andreia Silva, de 48 anos, lamentou a falta de reconhecimento da doença pelo Estado, afirmando que “continua a aparecer em mais gente”.
“A fibromialgia é uma doença que não nos mata, pelo menos não imediatamente, mas obriga-nos a viver com essa dor insuportável todos os dias da nossa vida”, disse.
Com “várias profissões”, desde gestão de qualidade a atriz, a mulher explicou que tem “dor muscular muito forte” em várias partes do corpo, “comprometimento cognitivo e da concentração e síndrome de intestino inflamável”.
“Na verdade, nunca é todos os dias a mesma coisa e os sintomas vão oscilando”, observou.
Também Manuela Perecheiro, de 56 anos, que trabalha como administrativa, afirmou que estar ao computador lhe “causa bastantes dores” no corpo.
“É uma coisa que nos acompanha todos os dias na nossa atividade profissional, nós não conseguimos transmitir, ao lado de um colega que não sofre de fibromialgia, o quanto estamos a sofrer, nem os colegas conseguem perceber, porque quem olha para nós vê-nos com uma cara saudável, vê-nos com um sorriso, um sorriso que está muitas vezes a esconder dores horríveis”, sublinhou.
Atualmente decorre a petição pública “Doentes Fibromialgicos ignorados” (https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT120825), com mais de 5.000 subscritores, endereçada ao presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, para que a fibromialgia seja debatida no parlamento.