O bastonário dos médicos manifestou hoje “grande preocupação” com “a falta de rumo” do Serviço Nacional de Saúde, e avançou que a Ordem se vai empenhar nos próximos meses em apresentar propostas concretas para alterar esta situação.
“O Serviço Nacional de Saúde está hoje a atravessar um momento de enorme dificuldade”, afirmou o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, à agência Lusa, à margem da Cerimónia Comemorativa do 45.º aniversário do SNS, que está a decorrer na Culturgest, em Lisboa, onde estão presentes a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e antigos ministros da Saúde como Paulo Macedo, Maria de Belém Roseira, Leonor Beleza e Ana Jorge.
Carlos Cortes confessou “uma grande preocupação” com o rumo do SNS, por considerar que está “a deixar de dar respostas, muitas vezes até respostas básicas, a pessoas que necessitam de cuidados imediatos e que não têm uma porta de um hospital, uma porta de emergência aberta, para poderem tratar dos seus problemas”.
“Já para não falar das listas de espera de vários meses ou anos para cirurgia, das listas de espera para consulta”, lembrou.
Quando se assinalam os 45 anos do SNS, Carlos Cortes evocou o nome de António Arnaut, considerado “o pai” do SNS.
“Tive o privilégio de conhecer o Doutor António Arnaut nos últimos anos da sua vida e [acredito] que ficasse muito incomodado se estivesse aqui hoje no meio de nós, com aquilo que está a acontecer no Serviço Nacional de Saúde”, comentou.
Para o bastonário dos médicos, não há outra solução senão fazer “grandes reformas no SNS” como, por exemplo, a transição digital.
“O Serviço Nacional de Saúde tem que ser mais do que hospitais e centros de saúde”, disse, defendendo que é preciso ter uma “visão muito abrangente do SNS” que deve contemplar a comunidade, as autarquias e as determinantes sociais da saúde, nomeadamente o bem-estar físico, a atividade física, a educação, os transportes, a habitação.
Por outro lado, deve ser “mais humanizado”, cuidando dos doentes, mas também dos seus profissionais.
“De alguma forma, esta essência da democracia - porque festejamos este ano os 45 anos do SNS, mas os 50 anos da democracia - tem-se perdido, do meu ponto de vista, ao longo dos anos, e tem havido uma falta de coragem do poder político, não de mudar o SNS por mudar, mas sim atualizar o Serviço Nacional de Saúde às exigências de hoje”, salientou.
Segundo Carlos Cortes, as exigências são uma população mais envelhecida, uma medicina e tecnologia que evoluíram e um sistema que, no seu todo, “se modificou também profundamente”.
“Parece que há um receio de fazer acompanhar o SNS desta evolução do desenvolvimento da sociedade””, lamentou.
Avançou que a Ordem dos Médicos vai empenhar-se nos próximos meses em apresentar “propostas concretas para um rumo para a saúde”, sem precisar quais.
Questionado se os grandes avanços conquistados pelo SNS na área da saúde materno infantil podem sofrer algum retrocesso com os constrangimentos que se estão a assistir, como o fecho de urgências, grávidas a terem os seus bebés nas ambulâncias, o bastonário afirmou que, “se não houver uma reação muito rápida, pode efetivamente haver retrocessos”.
Deu o exemplo do que está acontecer no sistema de saúde britânico, que inspirou o SNS, que está “a atravessar dificuldades muito, muito graves” às quais o Governo está a tentar responder.
“Estive a ler o discurso do primeiro-ministro do Reino Unido e tudo aquilo que ele refere é muito semelhante às dificuldades que nós estamos hoje a atravessar”, contou, observando que, tal como em Portugal, houve “um aumento do investimento na saúde muito grande”, que não se traduziu em ganhos em saúde.
No seu entender, é preciso “coragem política” para inverter esta situação e tomar “medidas justas”, nomeadamente a valorização de todos os profissionais de saúde.