A ex-responsável pela política externa europeia Federica Mogherini defendeu hoje o multilateralismo como a única forma de enfrentar problemas globais como a pandemia ou as alterações climáticas e elogiou o papel da União Europeia (UE) nesse âmbito.
“Nenhum país europeu sozinho, nem mesmo os maiores por população ou por PIB, tem impacto, poder, capacidade, posição global para abordar qualquer uma das questões” que o mundo enfrenta atualmente, disse.
A atual reitora do Colégio da Europa intervinha no congresso internacional sobre multilateralismo, organizado pelo Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa – Observare.
A antiga Alta Representante da UE para a Política Externa e vice-presidente da Comissão Europeia (2014-2019) participou por videoconferência devido ao recrudescimento dos casos de covid-19 na Bélgica, onde reside.
Na sua intervenção a partir de Bruges, sede do Colégio da Europa, a política italiana disse que “nenhum país europeu é grande no mundo de hoje” comparativamente à China, Índia, Brasil ou EUA, mas a UE, no seu todo, é “definitivamente uma superpotência”.
Mas, notou, a UE “é mais reconhecida como tal” pelos seus “interlocutores e parceiros, do que pelos próprios europeus”.
Mogherini insistiu que os problemas atuais são de tal modo globais que “nem podem ser definidos como internos ou externos”.
Deu o exemplo do combate à pandemia, salientando que só será possível vencer o coronavírus com uma “campanha global de vacinação em África e na Ásia”, independentemente do número de vacinados na Europa ou nos EUA.
“O interesse local coincide com os interesses globais, e ninguém pode estar seguro se o seu vizinho ou o vizinho do seu vizinho não estiverem seguros”, disse.
O mesmo se passa com as alterações climáticas, dado que o que for feito localmente não terá efeito “se o resto do mundo estiver a ir na direção oposta”.
“Já não há fronteiras, já não há distinção entre global e local, entre externo e interno”, disse.
Mogherini defendeu que a UE representa o “processo de integração multilateral mais bem-sucedido” de sempre, por muito complexo que seja o sistema institucional da União.
Por isso, disse, o sucesso da UE é a “primeira contribuição que a União Europeia pode dar ao multilateralismo e a uma governação global baseada no multilateralismo”.
Para Mogherini, “seria muito sensato que os europeus fossem constantemente lembrados ou recordados de como seria a sua vida” sem a UE.
A antiga responsável pela diplomacia europeia referiu também que nunca gostou que se dissesse apenas que a UE falava a uma só voz, preferindo acrescentar que a União “canta a mesma canção com vozes diferentes”.
Recusou que o sistema de tomada de decisões por unanimidade seja um problema, assegurando que, em cinco anos, nunca teve dificuldades em que as decisões fossem adotadas por todos.
Para Mogherini, o principal problema da UE é a falta de identificação entre o interesse nacional e os interesses europeus por muitos políticos nacionais.
“A criação desta narrativa de oposição entre interesses nacionais e europeus é o que enfraquece a credibilidade e o otimismo da UE em todo o mundo, inclusive no sistema multilateral”, disse.
Mogherini referiu também que a pandemia mostrou a importância de as decisões serem tomadas igualmente com base na ciência e advogou a necessidade de se dar mais importância à cultura e à identidade das sociedades.
Questionada no final sobre o Brexit, disse que toda a UE perdeu, mas que o Reino Unido “perdeu muito mais” com a sua saída da União.
Sobre a Turquia, defendeu que “deveria ter-se tornado já um Estado-membro da UE” e considerou que a questão se tornou mais complexa, entretanto, devido a problemas no país com direitos humanos, Estado de direito e democracia.
Apontada como possível futura secretária-geral da NATO, Mogherini disse não tencionar abandonar as funções no Colégio da Europa e considerou ser “absolutamente essencial” para a UE desenvolver capacidade militar que “não esteja em contradição ou em competição” com a Aliança Atlântica.