A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) defende que o Estado deve focar-se em recuperar as “décadas de atraso” no investimento em cuidados de fim de vida em vez de preocupar-se em dar “instrumentos para matar pessoas”.
“Estamos a focar a nossa preocupação na eutanásia, na colocação de instrumentos do Estado para matar pessoas, quando na verdade levamos décadas de atraso a fazer o nosso trabalho, naquilo que é a proteção da vida, a proteção da dignidade humana, da proteção da autonomia, todas as coisas que nos são muito caras”, disse à agência Lusa o presidente da APCP, Duarte Soares.
Segundo o médico, tem havido “estratégias sucessivas que falham por não haver o investimento” que, apesar de ser “reconhecido amplamente” em termos de discursos, “tarda em chegar ao terreno”.
Para Duarte Soares, é “muito pouco oportuno” o debate agendado para quinta-feira sobre a despenalização da morte assistida, depois de ter sido “amplamente debatida” e reprovada em 2018.
“Estamos a ser empurrados novamente para uma aprovação, que já a damos por garantida, mas que é comandada pelas entidades políticas e em amplo desrespeito com a decisão anterior e por aquilo que são as verdadeiras preocupações da sociedade”, vincou o presidente da APCP.
Além disso, “pouco mudou” em termos de investimento em cuidados prestados às pessoas com necessidades derivadas de doenças crónicas, progressivas e incuráveis.
“Não temos tido sucesso em termos de investimento para obter os objetivos e as metas que nos são exigidas a nível europeu, e estamos a focar-nos, contrariamente a isso, em permitir um pedido de morte. É isso que se trata”, lamentou Duarte Soares.
Da experiência como médico em cuidados paliativos, contou que é “muito infrequente” os doentes fazerem este pedido. Quando o fazem, é baseado em condicionantes que são alteráveis não pelos médicos, mas pela sociedade.
“Os doentes pedem porque estão deprimidos, porque estão desesperados, porque estão numa situação de isolamento, pedem por muitos motivos que podem ser abordados”, disse, acrescentando: “Ninguém está aqui a comprometer-se a retirar todo o sofrimento, mas temos que retirar pelo menos aquele sofrimento que seja destrutivo”.
O presidente da APCP contou que em 10 anos de clínica pode “contar pelos dedos de uma mão” os doentes que, apesar de lhes terem sido dadas todas ajudas, mantiveram esse pedido.
Para estes casos excecionais em que os cuidados paliativos não resolvem tudo, deviam ser os tribunais a decidir. “Não precisamos de uma lei que vá legislar para tão poucos casos”, defendeu.
Sobre o referendo à eutanásia, afirmou ser contra, mas disse entender que as pessoas queiram travar a votação final da lei da eutanásia.
Ressalvando que é a sua opinião pessoal, Duarte Soares disse que o referendo deixa “uma grande preocupação” que é haver mais tempo para debater e poder assistir-se a “um debate completamente desfocado daquilo que são os verdadeiros interesses da população”.
“Se avançarmos para o referendo, quando estivermos em campanha, temos de ser o mais sensatos possível, protegendo, aceitando todas as opiniões, debatendo-as com toda a seriedade do mundo, mas não entrando, naquilo que infelizmente já estamos habituados, debates que não beneficiam ninguém”, rematou.
Um grupo de cidadãos está a recolher assinaturas para realização de um referendo sobre a matéria, que tem o apoio da Igreja Católica, ao contrário do que aconteceu em 2018. Dos partidos com representação parlamentar, apenas o CDS apoia a ideia, assim como vários dirigentes do PSD.