Especialistas portugueses alertam numa resposta publicada hoje na revista The Lancet a um editorial sobre o estado Serviço Nacional de Saúde (SNS) que os cuidados em fim de vida são a “área mais negligenciada da saúde” em Portugal.
Quatro clínicos e investigadores em cuidados paliativos, Bárbara Gomes, Duarte Soares, Ana Lacerda e Maja Brito, decidiram juntar-se e responder a um editorial de 12 de outubro de 2019 da The Lancet, dedicado aos 40 anos do SNS, que afirmava que "a redução do investimento público na saúde em Portugal entre 2000 e 2017 impediu a modernização dos hospitais públicos" e facilitou o "crescimento do setor privado".
“Quando a Lancet publicou um editorial sobre o estado do nosso SNS ocorreu-nos responder e reagir, salientando a área dos cuidados em fim de vida como uma das mais negligenciadas no nosso sistema nacional de saúde”, disse à agência Lusa, Bárbara Gomes, investigadora da Universidade de Coimbra e do King’s College London.
Os investigadores nos estudos que realizaram observaram que “o número de mortes de pessoas com necessidades paliativas estava a crescer”.
“Portugal é um país extremamente envelhecido, dos mais envelhecidos do mundo, e notávamos uma tendência continuada de morte no hospital, que sabíamos que é uma realidade muitas vezes contrária às preferências das pessoas de morrer em casa”, afirmou à Lusa Bárbara Gomes.
Apesar de Portugal não ser dos países em que os cuidados paliativos estão mais desenvolvidos, têm sido dados passos nesse sentido. “Porém, achamos importante alertar que o investimento” feito ao longo dos anos “tem sido deficitário em relação às necessidades”, o que “pode deixar a descoberto as necessidades da população de uma forma séria”, salientou.
Para Duarte Soares, médico e presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, “um investimento deficitário nos cuidados em fim de vida impede que se reverta a tendência de morte no hospital e afeta as condições em que as pessoas morrem nestas instituições de saúde”.
“Por outro lado, observamos uma expansão do setor privado nesta área, o que significa que mais pessoas acedem a cuidados paliativos, mas que a desigualdade aumenta”, sublinha Duarte Soares.
Em declarações à Lusa, Duarte Soares afirmou que “Portugal acompanha as alterações demográficas de muitos outros países”, mas o que difere são “as políticas e a capacidade de investimentos diferentes nesses países”.
“Temos que olhar para aqueles países que sofrem dos mesmos desafios demográficos, mas que têm neste momento respostas muito mais dirigidas e muito mais robustas ao alívio do sofrimento das pessoas”, defendeu.
A pediatra oncologista Ana Lacerda alerta na carta que esta realidade afeta também as crianças, “um grupo particularmente vulnerável e carente de cuidados, que merece especial atenção”. Maja de Brito, psicóloga e investigadora, alerta, por seu turno, que “as famílias dos doentes e os cuidadores informais” também “não podem ser esquecidos”, defendendo que o Estatuto do Cuidador Informal e as propostas anunciadas no Orçamento de Estado para 2020 “têm de ser postas em prática sem demora”.
Perante esta realidade, os autores alertam para a necessidade de uma “revolução Copernicana” na “gestão da saúde, de forma a assegurar que os cuidados paliativos estão acessíveis a todos e que o SNS se adapta aos seus utentes, e não o contrário”.