Dois terços dos médicos manifestam que estão em exaustão emocional, segundo um estudo que vai ser publicado esta semana na Acta Médica Portuguesa e que considera o ‘burnout’ na classe como um problema “com raízes no sistema de saúde”.
Mais de nove mil médicos foram inquiridos neste estudo, que foi realizado em 2016 e atualizado em 2017, sendo agora pela primeira vez publicado de forma integral. A amostra analisada representa cerca de 20% dos médicos registados na Ordem.
No estudo, a que a agência Lusa teve acesso, 66% dos médicos mostram um nível de exaustão emocional e 30% referem acentuada diminuição da realização profissional. Quase 40% demonstram níveis elevados de despersonalização, que se caracteriza por atitudes de descrença ou indiferença e que está fortemente associado à síndrome de 'burnout'.
"Valores tão elevados como os encontrados no presente estudo (...) conduzem desde logo à compreensão do 'burnout' como um problema socioprofissional com raízes no sistema de saúde, não podendo ser justificado com base em características individuais relacionadas com fragilidades pessoais", referem os autores do estudo, encomendado pela Ordem dos Médicos e realizado em parceria com o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Refere-se ainda que os resultados demonstram "o papel dos fatores de natureza organizacional na explicação" das situações de 'burnout'.
As exigências do trabalho e os recursos organizacionais são vistos pelos médicos como a variável que explica uma maior proporção da exaustão emocional.
"Os melhores preditores de elevados níveis de exaustão emocional são, ao nível organizacional, a perceção de baixos recursos e de elevadas exigências associadas, designadamente, aos horários de trabalho e à relação com os doentes", indica a análise que vai ser publicada.
O estudo salienta que o bem-estar dos médicos "é importante para o funcionamento do sistema de saúde em geral" e recomenda a intervenção urgente, através de programas dirigidos diretamente à exaustão emocional e à diminuição da realização profissional.
Apesar destas conclusões, os investigadores registaram "níveis muito elevados de envolvimento com o trabalho", considerando que é um indicador da "adaptação positiva da maioria dos médicos às condições" de trabalho adversas.
O estudo analisou ainda quais as especialidades com mais médicos com níveis altos e baixos de cada um dos indicadores de 'burnout': exaustão emocional, despersonalização e diminuição de realização profissional.
Medicina interna, oncologia, doenças infecciosas, neurologia e hematologia são as especialidades com mais médicos com níveis altos de exaustão emocional.
No caso da despersonalização os valores mais elevados encontram-se na cirurgia geral, na hematologia, neurologia, urologia e ortopedia.
As especialidades com mais médicos que sentem redução de realização profissional são a oftalmologia, medicina geral e familiar, doenças infecciosas, psiquiatria, cardiologia e dermatologia.
Os investigadores analisaram ainda quais as especialidades com maiores percentagens de médicos com valores altos em pelo menos dois indicadores e concluíram que a medicina de emergência, a medicina interna, a neurologia e a medicina familiar têm os valores mais elevados.
Os níveis mais baixos verificaram-se na patologia, dermatologia, pediatria geral e medicina preventiva.