Uma organização não-governamental (ONG) timorense considerou hoje que a ameaça do novo coronavírus mostra as fragilidades causadas pelo subinvestimento na saúde e manifestou preocupação pela discriminação da comunidade chinesa no país.
“Parte do que torna a ameaça do coronavírus tão grave em Timor-Leste é a recusa consistente do nosso Governo de alocar uma quantia adequada do orçamento aos serviços de saúde”, afirmou, em comunicado, a Fundação Mahein (FM).
“Atualmente não temos um sistema de saúde, recursos e pessoal médico, ou uma infraestrutura que nos permita combater efetivamente o coronavírus, caso ele entre em Timor-Leste”, sublinhou.
A FM reconheceu o risco que o coronavírus coloca a Timor-Leste, especialmente porque “a falta de um forte sistema de saúde e de infraestruturas de resposta a emergências deixaria a população excecionalmente vulnerável”.
E considerou não ter sido "dada prioridade suficiente à formação que poderia ter ajudado a treinar médicos timorenses” com o país a continuar a depender de médicos internacionais que podem mesmo ser retirados do país caso o vírus chegue a Timor-Leste.
A FM saudou as medidas “imediatas e pragmáticas” adotadas pelo Governo, incluindo 'scanners' térmicos no aeroporto, mas lembrou que as fronteiras terrestres e marítimas do país “são porosas e não controladas” pelo que a ameaça é muito mais do que apenas aérea.
Em relação ao alarmismo em Timor-Leste sobre o coronavírus, a ONG manifestou igualmente preocupação por outras propostas, incluindo a limitação de viagens internacionais a timorenses de etnia chinesa ou migrantes chineses e até potenciais limites a importações.
“Na visão da FM, isso significa que não uma, mas duas doenças estão agora a ameaçar Timor-Leste: o coronavírus e o risco de uma discriminação equivocada da comunidade chinesa”, defendeu.
“Embora o risco de uma pandemia tenha exposto lacunas muito reais nas instituições da nossa nação, um olhar atemorizado sobre os riscos da população chinesa de Timor-Leste é um perigo que pode não só pôr colocar em jogo a saúde pública, mas que se sustenta numa tradição preocupante de violência contra comunidade chinesa de Timor”, acrescentou.
Como exemplo, o comunicado citou declarações de um médico do Hospital Nação Guido Valadares de Dili, que defendeu que cidadãos chineses, que entraram em Díli deviam ser isolados durante 14 dias, período de incubação do vírus.
Para a FM, esta é uma medida que devia ser aplicada “a todos os viajantes da China para Timor-Leste, independentemente de etnia ou cidadania”. Até ao momento, a única pessoa em quarentena “não é um cidadão chinês”, mas um soldado das Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), que esteve em formação na cidade de Wuhan, centro do surto do novo coronavírus.
A FM disse que se devem tomar medidas, mas que “o medo não deve permitir abandonar o respeito pela humanidade e a dignidade de todos os cidadãos”.
“Não podemos permitir que uma assustadora discriminação de um grupo étnico em Timor-Leste nos distraia de riscos muito mais prementes para a saúde pública da nossa nação”, referiu.
A China elevou hoje para 362 mortos e mais de 17 mil infetados o balanço do surto de pneumonia provocado por um novo coronavírus (2019-nCoV) detetado em dezembro passado, em Wuhan, capital da província de Hubei (centro).
Desde dezembro já surgiram 17.205 casos em toda a China da doença que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a decretar uma emergência mundial e que já se espalhou a 20 países.
Além do território continental da China e das regiões chinesas de Macau e Hong Kong, há mais casos de infeção confirmados em 24 países.