A Alemanha iniciou a presidência da União Europeia com ”um projeto e um tema”, mas deparou-se com “um intruso” chamado coronavírus que impôs uma agenda e comprometeu todos os planos importantes, defende Mónica Dias, especialista em relações internacionais.
Coordenadora do programa de doutoramento do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Mónica Dias considera por isso “muito injusto” que se diga que a presidência alemã do Conselho da União Europeia (UE) “não fez A, B ou C”, dado “o que já alcançou do ponto de vista económico e de manter a casa unida num momento tão difícil como é o nosso, entre Trump e Xi Jiping, e tantos conflitos no mundo e mais a pandemia”.
“A Alemanha entrou nesta presidência com um plano, que já tinha sido desenvolvido há muito tempo, (…) e havia um projeto e um grande tema que deveria ser a sustentabilidade e políticas na área da energia. Obviamente esse plano não pôde ser seguido tal como imaginado, […] primeiro por causa do desenvolvimento do ‘Brexit’ e por outro lado também da pandemia”, explica Mónica Dias em entrevista telefónica à Lusa para um balanço de três meses e meio da presidência alemã.
A académica cita, a propósito, o embaixador alemão em Lisboa, Martin Ney, que numa conferência no início da presidência alemã, a 01 de julho, disse: “juntou-se à presidência alguém não convidado”.
“Portanto, houve um intruso e esse intruso chama-se coronavírus. Achei engraçado porque de facto ninguém estava à espera disto e trocou as voltas completamente”, refere.
Mónica Dias explica que as medidas para fazer face à pandemia “estão no centro da política” europeia e, ao mesmo tempo, “as populações estão muito mais preocupadas com estas questões do que com o projeto europeu”, o que torna “um bocadinho ingrato” exercer a presidência, porque “todas as agendas e todos os planos importantes para que a união política avançasse” ficaram “comprometidos”.
Aponta como exemplo “a questão da política externa comum”, que “teria tido uma prioridade de estratégias sobretudo económicas para pensar como conviver com a China”, o que ”está a ser muito mais difícil”, ou “conviver com os Estados Unidos, com este Presidente [Donald Trump] que está a ser um grande problema para a UE e também para a Alemanha”, ou ainda com a Rússia.
Por outro lado, aponta, a população alemã vive “muitas tensões sociais” devido à resposta à pandemia, com “manifestações daqueles que acham que as liberdades individuais estão a ser excessivamente limitadas, que não se deve usar máscara, que devem ser autorizados ajuntamentos, e daqueles que acham que não se deve autorizar”, num “debate que foi politizado”.
E ainda o “problema político muito grande” que a Alemanha atravessa, com um centro político-partidário “muito grande” em que “as pessoas não se reveem”, muitas das quais “não encontram soluções pelo menos nas franjas à esquerda e à direita”.
Tudo isto, resume, faz com que “a política europeia não seja uma prioridade” na Alemanha numa altura em que tem a presidência, “um momento fundamental da sua política externa”.
“A Alemanha estaria muito preocupada também e empenhada num maior aprofundamento político das instituições, mas acho que percebeu que neste momento tal não é possível […] É percetível que, neste momento - vou utilizar um termo estranho - não vale a pena forçar a barra”, sustenta a especialistas em relações Internacionais.
Por essa razão, a presidência alemã tem-se caracterizado pelo “low profile” (discrição), de “mais de gestão de crise, de tentativa de conciliação dos problemas do dia a dia”, acrescenta, apontando que Merkel “não é uma política de grandes visões que possam levar para a frente o projeto europeu”, mas “muito boa a resolver as questões pequenas, na negociação do dia a dia, a conseguir negociar e alcançar pequenas conciliações”.
“E atenção, eu acho que é o grande mérito, talvez uma das qualidades mais extraordinárias de Angela Merkel e que tem de ser admirado no contexto político atual, em que parece que o político que mais grita é que é ouvido pela imprensa e é que tem destaque”, frisa.
Mónica Dias recusa contudo que seja “uma presidência com poucos objetivos alcançados”, salientando que “é uma presidência discreta e que, tendo em conta a circunstância complexa da pandemia, aposta em resoluções muito pragmáticas, em negociações pequenas, parcelares, em pequenos passos, mas que, com esses, pelo menos garante uma solidez e garante uma continuidade e eficácia”.
“A resposta à pandemia nunca teria sido assim se a Alemanha não estivesse tão empenhada no projeto europeu”, afirma.
“As conquistas econômicas, que também são muitas vezes esquecidas por causa da pandemia e acha-se que tem de estar tudo disponível e tudo funcionar, mas isso em termos burocráticos e em termos da vontade política de todos os Estados-membro, em termos de conseguir convencer todos, é absolutamente extraordinário”.
A presidência do Conselho da União Europeia é exercida rotativamente pelos países europeus por períodos de seis meses, agrupada em “trios” de três Estados-membros que as exercem consecutivamente e elaboram um programa conjunto.
O atual trio iniciou-se a 01 de julho com a Alemanha, que exerce a presidência até 31 de dezembro, seguindo-se Portugal, entre 01 de janeiro e 30 de junho de 2021, e a Eslovénia, entre 01 de julho e 31 de dezembro de 2021.