Quase metade dos hospitais públicos não têm uma equipa multidisciplinar organizada para seguir as famílias com cancro hereditário, conclui um inquérito que será divulgado no 16.º Congresso Nacional de Oncologia, que decorre até sábado no Estoril.
De acordo com este trabalho, feito a nível nacional e que foi promovido pela Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO), quase metade das unidades inquiridas “refere a inexistência de uma estrutura multidisciplinar organizada para o seguimento das famílias com cancro hereditário, sendo necessário recorrer à referenciação/complementaridade de cuidados”.
“Esta complementaridade é desejável, numa perspetiva de organização de recursos, no entanto, é necessário que esteja organizada e com circuitos bem definidos”, refere o estudo.
Gabriela Sousa, médica oncologista e membro da SPO, considera que esta área “requer melhor organização nacional e circuitos de referenciação definidos”.
Em declarações à Lusa a especialista reconhece que nem todas as unidades têm de ter estas equipas multidisciplinares, mas frisa que é preciso que esteja bem definido e organizado o desenho da rede de referenciação.
"Às vezes acontece conseguirmos referenciar um doente porque recorremos aos nossos contactos", explicou, considerando que os resultados deste trabalho permitiram "conhecer melhor o estado da arte".
A responsável defende que agora é necessário, com os dados recolhidos, trabalhar em conjunto com a coordenação do Programa Nacional das Doenças Oncológicas e com a Direção-Geral da Saúde para uma boa rede de referenciação dos doentes.
Para este trabalho, a SPO inquiriu 31 unidades de saúde e hospitalares em Portugal de norte a sul do país para avaliar os recursos disponíveis na área do cancro hereditário. Mais de metade (64,5%) disse registar anualmente mais de 1.000 novos casos de cancro.
Um outro estudo que será igualmente apresentado no Congresso Nacional de Oncologia, da responsabilidade da EVITA - Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes Relacionados com Cancro Hereditário, indica que 78% dos inquiridos com histórico familiar de cancro não chegaram sequer a realizar teste genético, mais de metade (65%) por falta de indicação médica.
Dos que o fizeram, mais de metade (57%) foram encaminhados pelo seu oncologista e a maioria (60%) tinha já um diagnóstico de cancro no momento da realização do teste.
Apenas 7% dos doentes realizou o teste genético no setor privado, 46% fizeram-no no hospital onde eram acompanhados e 47% noutra instituição do Serviço Nacional de Saúde.
Este questionário, que abrangeu uma amostra de 611 pessoas, a maioria mulheres adultas residentes no Litoral, indica que uma vasta maioria dos inquiridos (85%) disseram ter histórico familiar de cancro, 31% de ambos os lados da família (paterno e materno).
Três em cada quatro dos inquiridos que fizeram teste genético receberam resultado positivo e 92% viram a sua família ser referenciada para a consulta genética.
Dos que receberam resultado positivo, 33% não tiveram qualquer ação preventiva, por diversos motivos: estar fora da idade recomendada/desejo maternidade (22%); não considerar as ações preventivas necessárias (16%); acompanhamento prévio ou em tratamento (16%); a aguardar ação preventiva ou consulta (13%); sem indicação médica (10%); probabilidade de doença não justificada (3%); tempo de espera elevado (3%) e custo elevado da ação preventiva (3%).
As ações preventivas maioritariamente aditadas incluem a remoção de trompas e ovários (55%), a cirurgia preventiva/mastectomia bilateral (31%) ou o acompanhamento e rastreio mais regular (27%).
Desde a marcação de consulta de genética médica até à realização de cirurgia preventiva, os inquiridos permanecem, em média, 36 semanas.
Os dados do questionário da EVITA indicam ainda que os tipos de cancro com maior prevalência a nível de histórico familiar são, por ordem de grandeza, os da mama, colorretal, gástrico e pulmão.
O estudo identificou igualmente áreas a melhorar, como a celeridade do processo e a clareza na comunicação (informação sobre os riscos consequências, tratamentos e ‘follow-up’)
O teste genético consiste numa análise ao ADN da pessoa com o objetivo de detetar mutações nos genes associados ao cancro hereditário. O aconselhamento genético é recomendado a pessoas com história familiar indicativa de síndrome hereditário (diagnóstico de cancro em idades jovens, vários tipos de cancro no mesmo familiar, tipos de cancro mais agressivos ou cancros raros).