A fase de instrução do processo do surto de 'legionella' de Vila Franca de Xira, em 2014, começa na quarta-feira, em Loures, com a inquirição do então delegado de Saúde Regional de Lisboa e Vale do Tejo.
O início desta fase facultativa, em que o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Loures vai decidir se o processo segue e em que termos para julgamento, está agendado para as 09:30 e decorrerá à porta fechada, disse hoje à agência Lusa fonte deste tribunal.
Na quarta-feira, a juíza de instrução criminal Ana Rita Loja vai inquirir o então delegado de saúde António Barata Tavares, indicado pela empresa arguida General Electric (GE - que se passou a chamar SUEZ II), sessão na qual apenas estarão presentes os arguidos e os respetivos advogados.
A instrução prossegue pelas 15:00 de 25 de novembro, com a audição de uma segunda testemunha.
A abertura de instrução foi requerida pela Adubos de Portugal (ADP), pela SUEZ II e por mais sete quadros destas empresas (os nove arguidos), e ainda pelo município de Vila Franca de Xira e por 53 pessoas, 49 das quais afetadas pelo surto, mas que não constam como vítimas na acusação do Ministério Público (MP).
Contudo, a JIC negou provimento a todos os requerimentos de abertura de instrução, exceto aos apresentados pelos arguidos.
Nos autos constam 36 acordos já alcançados entre a ADP e a SUEZ II, de entre as 73 pessoas afetadas pelo surto de 'legionella', mas fonte ligada ao processo adiantou à Lusa que ainda estão em curso negociações com outras das 73 vítimas, as quais poderão culminar com um número de acordos “bastante mais elevado” face aos 36 já conseguidos.
Os acordos terão de ser depois aceites pela juíza, o que poderá levar à suspensão provisória do processo (nestes casos não seguirá para julgamento).
Caso não haja acordo com as 73 pessoas afetadas que constam da acusação do MP, o processo segue os seus trâmites normais, com a fase de instrução, mas apenas com as vítimas com as quais não se chegou a acordo.
Paralelamente, a Associação de Apoio às Vítimas da ‘Legionella’ interpôs uma ação popular junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o Estado português e os ministérios da Saúde e do Ambiente e do Ordenamento do Território e Energia.
A ação popular, a que a Lusa teve acesso, não quantifica o número de vítimas que representa, reclamando uma indemnização, no mínimo, de 8.050 euros para cada um dos ofendidos, valor tido como referência e aceite nos acordos já alcançados com 36 das 73 vítimas, que constam da acusação do MP.
Ao processo chegou também um pedido de indemnização civil de uma das vítimas, que pede aos arguidos 60.500 euros.
Em março de 2017, o MP deduziu acusação contra a ADP e a GE (SUEZ II) e outros sete quadros destas empresas, por responsabilidades no surto, que teve início em 07 de novembro de 2014, causou 12 mortes e infetou mais de 400 pessoas.
Na acusação, no entanto, o MP explica que só conseguiu apurar nexo de causalidade em 73 das pessoas afetadas e em oito das 12 vítimas mortais provocadas pelo surto, que afetou, sobretudo, as freguesias de Vialonga, Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, no concelho de Vila Franca de Xira, distrito de Lisboa.
São arguidos um administrador, o diretor e o supervisor do setor da produção da ADP. Além de João Cabral, José Carvalhinho e Eduardo Ribeiro, são também acusados neste processo quatro funcionários, todos engenheiros químicos da GE, empresa contratada pela ADP Fertilizantes para fiscalizar e monitorizar as torres de refrigeração.
De todos os casos notificados à Direção-Geral da Saúde, o MP só conseguiu estabelecer o nexo de causalidade em 73 situações, uma vez que nas restantes foi “inviável a recolha de amostras clínicas” ou “não foi identificada estirpe ou a estirpe identificada era distinta da detetada nas amostras ambientais recolhidas”.
O MP sustenta que o surto de 'legionella' no concelho de Vila Franca de Xira foi causado pela "manifesta falta de cuidado” dos arguidos, que não cumpriram “um conjunto de regras e técnicas na conservação/manutenção” de uma das torres de refrigeração da ADP.
A ADP, a GE e os restantes sete arguidos estão acusados de um crime de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços.
Os três responsáveis da ADP e os quatro funcionários da GE, Ricardo Lopes, Maria Viana, Liliana Correia e Nélio Moreira, respondem, ainda, cada um, por 20 crimes de ofensa à integridade física por negligência.