A queda dos preços do petróleo norte-americano pela primeira vez para terreno negativo deve-se a fenómenos pontuais de mercado, apesar de covid-19 e guerra entre grandes produtores apontarem para preços baixos de forma sustentada, segundo analistas.
Na segunda-feira, o barril de petróleo de referência nos Estados Unidos, o West Texas Intermediate (WTI) para entrega em maio terminou em terreno negativo, a -37,63 dólares, menos 305% que na sessão anterior.
Esta cotação negativa significa que os vendedores estavam dispostos a pagar, à razão de 37,63 dólares por barril, para que alguém ficasse com o "ouro negro" por recearem não terem sítio para o guardar.
O WTI para entrega em maio continuava hoje antes da abertura formal do mercado a cotar-se em terreno negativo, a cerca de -2 dólares por barril.
Contudo, o preço do WTI para entrega em junho, que agora é o mais negociado, cotava-se a 20 dólares por barril, um nível baixo, já que no princípio do ano se cotava a mais de 60 dólares, mas muito longe do valor negativo dos contratos para entrega em maio.
Da mesma forma, o Brent cotava-se hoje a pouco mais de 22 dólares, muito abaixo do valor de janeiro, quando alcançou os 70 dólares, mas também distante do valor registado na segunda-feira pelo WTI para entrega em maio.
Assim, o colapso histórico do preço do petróleo cinge-se apenas à variedade WTI.
"Uma lacuna histórica separa atualmente os dois preços de referência dos mercados de petróleo", afirma John Plassard, da companhia de investimentos Mirabaud, numa nota hoje divulgada.
E a razão para esta lacuna tem origem principalmente na importante produção norte-americana de petróleo, em particular da de petróleo de xisto, e da constituição de enormes reservas no terminal de Cushing (Oklahoma), que transborda perante a forte desaceleração da economia norte-americana causada pela pandemia da covid-19.
Os vendedores de petróleo não só não conseguem encontrar compradores, como lutam para armazenar o excedente, tendo originado a situação de segunda-feira.
Além disto, o preço "negativo" exige a exploração dos mecanismos técnicos do mercado de petróleo, na maioria das vezes desconhecidos do público em geral.
O mercado de petróleo é o que se chama um mercado de "futuros": os preços são negociados com várias semanas de antecedência, de acordo com datas de entrega fixas, ou seja, são comercializados menos barris físicos do que contratos apoiados pelo próprio petróleo.
Este mecanismo, originalmente concebido como seguro contra movimentos de preços, tornou-se objeto de especulação.
No início desta semana, os contratos de petróleo a serem entregues em maio estavam a expirar e os especuladores foram obrigados a tomar posse do petróleo que já tinham comprado na segunda-feira. Incapazes de o armazenar, preferiram compensar a "contraparte" do contrato e pagar para cancelar a compra, daí o preço negativo.
"Como o WTI tem de ser entregue fisicamente e o acesso aos tanques é caro, o custo de armazenamento em maio excede o valor intrínseco do petróleo no mesmo mês", explica Stephen Innes, da Axi Trader.
"A menos que haja uma intervenção coordenada, os contratos de junho também poderão perder todo o valor, daí os gritos de 'para os abrigos' que se ouvem nos mercados mundiais", sublinha.
Hoje, cerca das 10:30 TMG, este contrato com o WTI a ser entregue em junho já custava cerca de 16 dólares e estava em declínio acentuado.
Por trás destes sobressaltos de curto prazo, aparentemente absurdos, existem muitos movimentos fundamentais que estão a agitar o mercado de petróleo.
Em particular a guerra entre produtores, Rússia e OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo) - e mais particularmente a Arábia Saudita, líder do cartel - estão envolvidas há dois meses numa escalada da produção que está a fazer cair os preços.
Na reunião da OPEP+, no início de março, o ministro da Energia da Rússia, Alexander Novak, quebrou a aliança entre Moscovo e Riade, que dirigiu o delicado equilíbrio de mercado durante três anos.
Em poucas horas, "o mundo do petróleo passou de uma situação tensa para uma grande crise", refere John Plassard, à qual se veio acrescentar o impacto da pandemia.
Tudo isto num contexto de uma procura em queda livre devido ao confinamento de milhares de milhões de pessoas em todo o mundo par travar a pandemia da covid-19.
O histórico corte acordado em 12 de abril pela OPEP, Rússia e outros países exportadores, de 9,7 milhões de barris por dia, não só chega tarde - pois entrará em vigor em 01 de maio - como é considerado insuficiente pelos investidores perante as estimativas da Agência Internacional de Energia (AIE) que apontam para uma contração de 26 milhões de barris por dia no primeiro trimestre.
A esperança está agora posta no controlo da pandemia em quase 190 países e na reativação paulatina da economia, sobretudo na China, onde começou a crise há três meses.