Nem muito cheio, nem muito vazio: na manhã de hoje, o Mercado da Graça, em Ponta Delgada, encontrava-se a "meio gás". Longe das habituais enchentes, os comerciantes procuram manter vivo o negócio e proteger-se da pandemia de covid-19.
O sábado, sobretudo de manhã, é dia de ir à ‘praça' – como é vulgarmente conhecido o mercado da Graça, o maior da ilha de São Miguel, nos Açores – mas, em plena crise provocada pelo novo coronavírus, os dias que correm já não são os habituais.
"Hoje isso está a meio-gás. Desde o início dessa crise nunca mais vendi nem pimentas nem doces, porque isso era para os turistas: 50% do que eu vendia era para turistas e isso acabou completamente", diz à Lusa o comerciante Vítor Sousa, protegido por luvas, máscara e viseira.
Por detrás de uma banca repleta de frascos de mel, de pimentas, de doces e de compotas, Vítor Sousa explica que durante este fim de semana uma "grande parte" dos comerciantes começaram a proteger-se com equipamentos de proteção individual.
"Sou uma pessoa de risco, sou asmático. Decidi utilizar não só para me proteger, mas para proteger as pessoas também. Há pessoas que estão preocupadas e vêm protegidas. É bom que encontrem os comerciantes protegidos. Dá mais segurança a ambas partes", aponta.
Quem também sente falta da presença de turistas é Mário Sousa, do posto ‘Rei dos Ananases', que em 14 anos de presença no mercado nunca atravessou uma crise tão grave, porque as pessoas estão com "receio" e os "produtos não se vendem".
"Hoje isso está pela metade para um sábado de manhã. Temos falta dos nossos clientes, temos clientes de há anos e eles estão falhando. No ananás tivemos uma grande baixa porque os turistas não vieram de férias", explica, apontado para o lado direito para fazer-nos ver a sua extensa banca totalmente preenchida de ananases encaixotados.
O comerciante salientou que tem várias garrafas de desinfetante ao seu redor, como que a justificar o porquê de não estar com luvas ou máscaras: "vamos tendo cuidado, quando há clientes andamos sempre à roda do desinfetante".
Com o passar da manhã, mais pessoas vão chegando ao Mercado da Graça, mas, entre as bancas labirínticas, a circulação decorre com fluidez em praticamente todos os corredores.
A passar por um deles, João Rebelo, 83 anos, carrega um saco de legumes e hortaliças, enquanto diz à Lusa que o mercado "hoje até está bom" de afluência, porque durante a semana tem estado "vazio".
"Venho aqui à praça e vou para casa logo. A gente nunca sabe quando é que vai apanhar isso [o vírus]. O adivinhar é proibido, se a gente adivinhasse ou matava-se uns aos outros ou ficava resolvido", respondeu, quando questionado sobre ter receio por estar entre os grupos de risco para a covid-19.
Ali perto está o posto de João Botelho, vendedor de frutas, legumes e ervas aromáticas, que com 22 anos é o comerciante mais novo do mercado e um dos poucos a quem o negócio corre bem.
"O negócio, graças a Deus, vai indo bem. Tivemos uma quebra [no fornecimento] na parte da restauração, hotéis e montamos a estratégia de entrega ao domicílio logo. Nos primeiros dias vi que estava com uma quebra de 50% de vendas e optei logo por fazer entregas", explica o comerciante equipado com viseira.
Se, por um lado, a venda no mercado teve uma "grande quebra", a nova estratégia de entrega ao domicílio correu tão bem que João Botelho já pensa em adotá-la "quando esta crise acabar". Até lá, irá "fazer tudo por tudo" para manter a higienização.
"Eu e os nossos funcionários estamos todos com viseiras e para a semana vamos ter máscara e viseira. Temos de ter o nosso método de segurança para transmitir aos nossos clientes que estamos a trabalhar bem e que estamos a fazer tudo por tudo para não apanhar nada", destaca.
No lado oposto do mercado – quer geograficamente, quer na antiguidade – está José Luís Martins, 66 anos de idade e 58 de presença no mercado, que se queixa de a ‘praça' estar "vazia" para aquilo que é habitual num sábado.
"Hoje para um sábado está mesmo a zero. Está vazio. Isto está bem ruim. Em 2012 [com a crise económica] foi complicado, mas não foi tanto assim", defende.
O comerciante, que começou no mercado com sete anos a vender "alhos, cebolas e tudo o que havia para vender", começou a utilizar viseira nos últimos dias depois de ter "conversado" com outros vendedores.
"Temos de nos proteger. Se a gente não se proteger, ninguém vai nos proteger", aponta.
Em quase todas as bancas encontrava-se um recipiente de desinfetante e muitos comerciantes estavam equipados com pelo menos um material de proteção individual. Entre luvas, máscaras e viseiras, estas últimas eram o equipamento mais utilizado pelos vendedores.
O local mais vazio de todo o mercado era a zona do peixe, onde não mais de dez pessoas olhavam os sargos, cavalas, chicharros, lulas, entre outras variedades piscícolas, todas elas frescas, segundo a garantida dada pelos vendedores a todos os que por ali passavam.
"Em termos de afluência, muita gente deixou de vir ao mercado. Este momento é particularmente complicado. Isto agora é que está a começar e já está fraco", salienta José Freitas, do posto de venda de peixe ‘Gil Mineiro’, que mantém, ainda assim, a esperança de que o negócio há de ir "melhorando aos bocadinhos".
Nas outras zonas do Mercado da Graça, apesar de longe das enchentes habituais ao sábado, a presença de várias pessoas surpreendeu Susana, enfermeira de profissão e presença habitual no mercado.
"Acho que está com muita gente, esperava encontrar menos gente. Acho que deveria estar com menos pessoas e uma coisa que me chamou muito a atenção foram pessoas muito idosas, numa faixa etária em que deveriam ter mais cuidado", sinalizou.
Equipada com máscara, a profissional de saúde assinalou que "nem todos" os comerciantes estão devidamente protegidos porque reparou em "muitos" a usar luvas "incorretamente". Contudo, não acredita que o mercado "comporte mais riscos" do que outros espaços comerciais.
"Não acho que o mercado comporte mais riscos. Eu sinto-me muito melhor a fazer as compras, principalmente a fruta, o peixe, a carne, o legume, aqui", disse.
Pela ‘praça' estava também o responsável da Câmara de Ponta Delgada para o Mercado da Graça, Marco Moreira, que referiu que o controlo de pessoas se faz pela limitação em 50% dos lugares do parque de estacionamento – que passou de 122 para a capacidade máxima de 56 viaturas – e não pelas entradas pedonais do mercado.
"Os controlos em vez de serem feitos às portas acumulando as pessoas passaram a ser feitos através dos carros, lá fora", referiu, especificando que, nesta manhã, estavam cerca de 50 carros no parque.
O responsável frisou também que a afluência ao principal mercado de Ponta Delgada tem sido reduzida, estando a segurança "tão garantida quanto possível".
"Tem sido raro o dia em que [o parque] tem tido enchente. Teve ontem [sexta-feira], porque as pessoas comem, mas aqui dentro esteve sempre minimamente controlado, até porque de segunda a quinta a afluência é muito reduzida", concluiu.