Três dias, 24 horas de voo e 36 horas de aeroporto. Muitos dias de ansiedade, do outro lado do mundo, horas a fio atrás do teclado do computador, à espera de uma solução razoável que os trouxesse de volta a casa. O relato de uma viagem ao paraíso que o SARS-CoV-2, transformou num pesadelo.
Recém reformados, há seis meses que Jorge e Ana planearam uma viagem para o outro lado do mundo. O roteiro cuidadosamente planeado incluía Austrália, Tasmânia, Nova Zelândia, Polinésia Francesa, Havai e o regresso a Portugal através de Vancouver e Toronto, no Canadá. O regresso estava previsto só para o início de Maio, mas a pandemia de covid-19 trocou-lhes as voltas. Já se falava do novo coronavírus mas, como não estavam relatados casos na Europa, avançaram. Saíram de Lisboa no dia 9 de Fevereiro e pelo sim, pelo não, levaram material de proteção na bagagem, ou não estivesse Ana Maria Cardoso ligada à medicina.
A paragem seguinte era o Tahiti, o voo estava marcado para o dia 17 de Março. Com eles, levaram já o certificado médico internacional obrigatório que atestava estarem sem sintomas de covid-19. Já estavam na sala de embarque em Auckland, a 15 minutos do voo, quando os altifalantes anunciaram, em inglês, que o Tahiti tinha acabado de declarar o estado de emergência e que seriam obrigados a ficar de quarentena. Não tinham como voltar atrás. O avião que os transportava foi o primeiro voo internacional a aterrar em Papeete, os momentos que se seguiram foram carregados de tensão. Os passageiros desembarcaram mas ficaram retidos na pista, debaixo de um sol intenso e de uma temperatura de 30 graus. As férias tinham acabado.
No Tahiti, sentiram-se pressionados pelas autoridades a abandonar o pais o mais depressa possível. Os serviços de saúde e os meios de proteção não chegavam para a população local, muito menos aguentariam a presença de turistas. Concentraram-se, então, em planear o regresso a Portugal e definir uma rota que queriam “segura e racional”, evitando aeroportos congestionados e zonas de risco. Mas já não havia tempo. Compraram bilhetes que não chegaram a usar, pois as restrições e os cancelamentos sucediam-se hora a hora. Foi aí que contataram as autoridades portuguesas.
Sair da Polinésia Francesa rumo a Paris, estava fora de questão por ser uma escala de risco. A derradeira alternativa, inesperada, era um voo para São Francisco, no dia seguinte. O casal conseguiu comprar bilhete, mas tinha outro obstáculo para ultrapassar: já não era possivel regressar pelo Canadá, sem cumprir a quarentena de 14 dias. Restava seguir para Nova York e depois para Miami, onde foram recebidos, no aeroporto, por Marines norte americanos. Só no dia seguinte, quando ouviram falar português, a caminho do voo da TAP, se sentiram mais tranquilos.
Habituados a viajar, Ana e Jorge tiveram, desta vez, uma experiência totalmente diferente que lhes deixou marcas e algumas duvidas. Ana Maria Cardoso exemplifica com a dificuldade que sentiu em comprar bilhete, nos Estados Unidos, por causa da idade. Bastava o sistema identificar o casal como “sénior” para tudo voltar à estaca zero.
Chegaram a Lisboa, aos primeiros raios de sol. Ninguém os esperava ou lhes pediu qualquer informação, apenas lhes foi pedido que circulassem afastados para lhes ser medida a temperatura, mas Ana Maria Cardoso não percebeu de que forma, já que ninguém chegou junto deles. Chegados a casa cumpriram os 14 dias de quarentena. Estão tranquilos agora, pois deram a volta ao mundo e não trouxeram com eles o SARS-CoV-2. Em vez disso, trouxeram memórias. O casal brasileiro com duas crianças que, no aeroporto de Nova York, desesperava, sem dinheiro, para regressar a casa. Quando finalmente chegaram ao Brasil, não esqueceram o casal português que os ajudou. Ana e Jorge guardam com ternura a mensagem de vídeo que chegou dias mais tarde. Ou o taxista que os levou a casa. Estacionado no aeroporto de Lisboa, há duas noites que não ia a casa, na esperança dos passageiros que não chegam. Do serviço que não há. Sai caro ir a casa dormir quando há contas para pagar. As companhias aéreas não reembolsam o valor que o casal gastou em bilhetes, para voos que acabaram por ser cancelados. Prometem apenas vouchers para usar durante um ano mas, até à data desta entrevista, a TAP tinha sido a única companhia a emitir o dito voucher.