Várias organizações da luta contra a sida estão preocupadas com a suspensão dos rastreios ao vírus da imunodeficiência humana (VIH), com as consultas de infeciologia paradas e com o facto dos seus profissionais estarem no terreno sem proteções adequadas.
AS PREOCUPAÇÕES
A Associação Abraço, que trabalha na luta contra a sida há 27 anos, considera que há casos em que “há uma margem para poderem esperar sem prejuízo para o seu estado de saúde” mas, casos em que o teste, por exemplo, comprado numa farmácia comunitária, se revele reativo a associação tenta sempre fazer a ponte com o hospital “como temos feito para profilaxia pós-exposição, que já encaminhamos duas pessoas e foram atendidas”, revela Cristina Sousa, presidente da associação.
Já a Liga Portuguesa Contra a Sida (LPCS) sublinha o facto de que além da covid-19 “existem outras infeções, outras doenças” e que pessoas que vejam um teste ao VIH se revelar positivo têm onde se apoiar uma vez que a LPCS vai lá estar para “baixar a ansiedade e trabalhar com a pessoa”. A presidente da Liga, Eugénia Saraiva, alerta ainda para a impossibilidade de os utentes poderem ser acompanhados em consultas de infeciologia.
O Grupo de Ativistas em Tratamento (GAT), uma das organizações que mais testes faz no país, garante que alguns dos serviços, incluindo os rastreios, “mantêm-se presenciais, mas com critérios de admissão”, assumindo que rastreios de rotina não são uma prioridade face à falta de equipamentos de proteção individual que ameaça o trabalho das equipas, conclui Ricardo Fernandes, diretor-executivo da organização.
Também a Abraço, que presta apoio domiciliário a pessoas seropositivas no Porto e em Lisboa, se depara com estas dificuldades, tendo apenas materiais de proteção individual até ao final do mês. Comprá-los é um desafio tendo em conta que “o preço, neste momento, está um absurdo”.
Eugénia Saraiva afirma que “o vírus [covid-19] é democrático e atinge de A a Z, todas as pessoas” mas sublinha que a principal preocupação é com as populações mais vulneráveis, como os cidadãos ilegais, pessoas que têm a sua medicação no fim, os que perderam o trabalho e por isso a sua forma de sustento, os que estão obrigados ao confinamento ou aqueles que têm uma carga viral de VIH detetável. Segundo a presidente da LPCS estes cidadãos “têm uma resposta, não ficam sem uma resposta, mas é uma preocupação destas organizações, para poderem dar respostas em consonância, terem também, do outro lado, a hipótese de poderem ser protegidos”.
AS CONSEQUÊNCIAS
Mas que consequências pode isto trazer? O diretor-executivo do GAT coloca dois cenários em cima da mesa, por um lado as novas infeções, pelo facto dos seropositivos não serem acompanhados e medicados, por outro, abandonos no seguimento, que segundo Ricardo Fernandes, podem acontecer por estas pessoas sentirem que “o serviço não os acompanha” e então “deixam de ir”.
Existe ainda o cenário de pessoas que venham a deixar a medicação, podendo assim infetar outras, quando isto acontece por largos períodos de tempo. Como consequência, podem também criar resistência à terapêutica que estavam a fazer, tendo, posteriormente, que alterar a medicação para outra mais dispendiosa e que pode trazer mais efeitos secundários.
Cristina Sousa partilha da mesma opinião, enfatizando também o caso de outras doenças sexualmente transmissíveis que não o VIH. Contudo, a presidente da Abraço refere que “neste momento, acho que ainda está controlado”.
Em julho de 2019, a ministra da saúde, Marta Temido, anunciou que Portugal alcançou os três objetivos da Organização das Nações Unidas (ONU) ao diagnosticar 92,2% das pessoas que vivem com infeção por VIH, estando 90,2 das pessoas diagnosticadas em tratamento antirretroviral e 93% das pessoas em tratamento com carga viral indetetável. Para 2030, o objetivo é chegar aos 95%.