A Associação Sindical de Juízes Portugueses defende a medida excecional do Governo, apesar de sublinhar a importância de assegurar a proteção da população, como explica a Secretária-Geral do sindicato, a juíza Carla Oliveira.
A proposta do Executivo sobre a libertação de reclusos, por causa da pandemia de covid-19, foi aprovada, esta quarta-feira, na Assembleia da República. O documento estabelece o perdão parcial de penas de prisão para crimes menos graves, o regime especial de indulto das penas, o regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos condenados e a antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional, recebeu votos a favor por parte de PS, BE, PCP e a deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira. PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega votaram contra e o PAN absteve-se.
Os destinatários destas medidas são uma parcela concreta do universo de 13000 detidos nas cadeias portuguesas. É o caso de saídas administrativas especiais previstas para quase 1300 reclusos, 600 presos com penas até dois anos, por crimes menos graves, 400 condenados na reta final da sentença e reclusos mais velhos com problemas de saúde.
Em entrevista ao PÚBLICO, o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia mostrou-se indignado com a possibilidade de haver “indultos a criminosos” por causa da pandemia. “Diria que é inconstitucional, pois os indultos são medidas definitivas e o estado de emergência apenas permite tomar medidas provisórias, porque de uma situação provisória se trata”, afirmou.
Por outro lado, a juíza Carla Oliveira refere que já tivemos indultos por situações menos urgentes do que estas e que a medida não a “repugna”.
Durante o debate no parlamento o líder do PSD, Rui Rio, mostrou-se “frontalmente contra que, por causa do vírus, haja perdão de penas”. O partido de direita defende que a prisão domiciliária seja uma opção e que só devem ser abrangidos os reclusos com mais idade ou com problemas de saúde. “Os idosos com mais de 60 anos e todos aqueles que tenham patologias que agravam a situação do covid-19. Por exemplo, pessoas que são diabéticas ou que tenham problemas cardíacos e pulmonares”, explicou Rui Rio.
O presidente do PSD expressou a sua opinião de que os presos libertados devem ficar em prisão domiciliária e voltar à prisão quando não forem necessárias medidas preventivas. “Não é para o meio da rua”, esclareceu.
Como resposta, nas redes sociais, a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, fala em populismo. “Os reclusos são pessoas que devem ser tratadas com humanidade e o que está em causa é uma questão de saúde pública. Não lhe fuja o pé para o populismo, isso é terreno de outros”, escreveu a líder parlamentar do PS. Em conferência de imprensa, Constança Urbano de Sousa, deputada do PS, rejeitou a proposta dos sociais-democratas com o argumento de que “há muitos reclusos do grupo de risco” que não podem ser libertados porque cometeram crimes graves.
Para a juíza Carla Oliveira esta seria uma realidade que “neste momento, em concreto, tenho sérias dúvidas que conseguisse, num curto espaço de tempo, ser viabilizada”, alegando, essencialmente, a indisponibilidade de meios humanos como já tinha sido afirmado pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, “não há condições para vigiar eletronicamente todas as pessoas”.
A ministra, ouvida na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a pedido do PCP, rejeitou que esta medida visa “esvaziar as prisões”, respondendo a acusações de que esta seria uma forma de encapotadamente, fazer um 2 em 1, sublinhando que “não pensaria ouvir essa acusação a titulares de cargos políticos. Já ouvi o Sindicatos dos Magistrados, mas não estava à espera de chegarmos a este ponto”, lamentou a ministra garantindo que “não temos sobrelotação nas prisões”.
A responsável política argumentou ainda que os “estudos indicam que um caso de covid-19 nos estabelecimentos prisionais permite, numa semana, uma contaminação de 200 reclusos”.
Carla Oliveira acredita que esta medida foi tomada “pelo menos, em parte, pela situação de pandemia que vivemos, disso não tenho quaisquer dúvidas”.
No debate parlamentar, a ministra defendeu que “a libertação de presos é essencial”, porque “não queremos acrescentar pânico ao pânico”. Portugal tem uma população prisional de 12.729 reclusos, 800 dos quais com mais de 60 anos de idade.
Em entrevista a Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, o S+ constatou o ambiente que se vive nas prisões portuguesas, onde os guardas prisionais usam a mesma máscara descartável por quatro dias seguidos.