A pausa indefinida do basquetebol escureceu os desígnios da Ovarense, emblemática instituição desportiva de um concelho inserido há 10 dias num singular estado de calamidade pública, motivado pela pandemia da covid-19.
“Esta cidade vive o basquetebol. Não haver jogos, nem treinos cria-nos um vazio muito grande, mas percebemos que esta era a única solução e, nesta altura, julgo que os campeonatos já deviam ter sido cancelados. Por tudo aquilo que está a acontecer e pela previsão temporal do quanto esta situação vai demorar, não me parece que faça sentido podermos jogar ainda esta época”, avaliou à agência Lusa o presidente Rui Palavra.
A Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB) suspendeu todas as provas seniores em 11 de março, medida principiada na véspera nos escalões de formação, projetando os clubes para a queda de “receitas e bilheteira”, agravada com as “dificuldades financeiras” geradas pelo novo coronavírus junto dos mecenas locais.
“Antes do surto, já estávamos a definir a próxima época e agora temos de reanalisar o orçamento, porque não faz sentido saber nesta hora complicada quem estará connosco. Estamos convictos de que teremos alguns patrocinadores históricos e deixaremos de contar com outras empresas que, naturalmente, irão ser afetadas”, estimou.
Em funções desde julho de 2019 e com mais de 250 jogadores nos quadros, Rui Palavra apela à FPB que proclame o fim da temporada e “sensibilize” a Secretaria de Estado da Juventude e Desporto para abrir linhas de crédito aos clubes, a exemplo dos “apoios extraordinários” concedidos pelo poder estatal ao tecido empresarial.
“Os próximos dias e semanas serão cruciais para perceber que capacidade temos para formar uma equipa competitiva e até que nível poderemos ir”, reforçou o dirigente máximo da Ovarense, detentora de cinco campeonatos, três Taças de Portugal, três Taças da Liga e oito Supertaças, cujo pavilhão foi cedido à autarquia para acautelar outros fins.
É que a sociedade vareira lida com um quadro de transmissão comunitária ativa, assente em 119 infeções por covid-19, de acordo com a Direção-Geral da Saúde, que justificaram a declaração do estado de calamidade pública pelo Governo entre 17 de março e 02 de abril, confinando 55 mil habitantes aos 92 quilómetros quadrados superficiais.
“Vejo muito menos gente nas ruas, apesar de terem acontecido algumas fugas esporádicas. Mais policiamento provavelmente não iria ajudar, pois isto tem muito a ver com a responsabilidade de cada um. Espero que as pessoas ganhem cada vez mais consciência daquilo que fazem e da hipótese de infetarem os outros”, observou.
Rui Palavra acabou de trocar um cargo de gestão na Corticeira Amorim pelas funções de consultor técnico numa empresa inglesa de fornecimento de juntas, sem nunca quebrar a quarentena imposta em Ovar, tal como Nuno Manarte, treinador do 10.º classificado da Liga, com 31 pontos, três acima da ‘linha de água’.
“Sou um tipo caseiro por opção, mas esta privação de liberdade custa bastante quando nos é imposta. Felizmente, tenho um quintal que me permite estar ao ar livre. Tirando isso, o desconforto cresce cada vez que abro o noticiário e vivo com a preocupação geral de não saber o que vai acontecer amanhã”, reconheceu à agência Lusa.
Sem regresso às quadras definido, o timoneiro ‘alvinegro’ aconselhou apenas que os seus pupilos se mantivessem “ativos”, uma vez que o contexto não exige “grande informação extra”, mesmo se as “perdas imensas” de rendimento sejam inevitáveis e o isolamento domiciliário impeça a recriação à distância de “situações de treino ou jogo”.
“Permitem-nos correr duas vezes por semana na zona onde moramos, de forma isolada ou com duas pessoas no máximo. De qualquer maneira, a minha esposa já foi mandada parar e o ato de correr parece que é delinquente”, ilustrou Nuno Manarte, que assistiu à saída antecipada do país dos cinco jogadores norte-americanos da Ovarense.
No mesmo dia em que a FPB paralisou a elite do basquetebol português, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o cancelamento de todos os voos oriundos de países da União Europeia por 30 dias a partir de 13 de março, gerando “dois dias stressantes” para repatriar quatro atletas masculinos e outra da equipa feminina.
“Quisemos respeitar os desejos dos jogadores e colocá-los em conforto junto das famílias. Mesmo com a diferença do fuso horário, conseguimos falar, mas o problema é saber que plano traçar. Neste clima de catástrofe, o basquetebol fica encostado e importa que todos se mantenham serenos e cumpram as regras para que isto melhore”, lembrou.
Bem menos quilómetros percorreu o base Pedro Oliveira, de 23 anos, que regressou ao apartamento dos pais no Porto e evita “perder a atividade por completo”, enquanto se adapta às aulas ministradas por videoconferência, tendo em vista a conclusão da licenciatura em Gestão da Hospitalidade pela Universidade Portucalense.
“São dias complicados, mas temos reagido bem. Muitos tentam ir à garagem ou arrumar o sofá um pouco para o lado para arranjar espaço e fazer coisas mais complexas. A paragem afeta-nos psicologicamente, mas acima de tudo está a saúde. O que nos assusta mesmo é não sabermos ao certo quando isto vai acabar”, desabafou.