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Covid-19: República Checa avança com geolocalização enquanto UE mostra preocupação

24-03-2020 19:06h

A República Checa tornou-se hoje no primeiro país europeu a anunciar planos para implementar uma ferramenta de geolocalização para combater a pandemia de covid-19, um método de sucesso na Coreia do Sul, mas que causa preocupações a outros países europeus.

A medida anunciada hoje pelo chefe de uma equipa de crise do Governo checo vai utilizar dados de localização em tempo real através de telemóveis, de forma a rastrear os movimentos de portadores do novo coronavírus e com quem entram em contacto.

O objetivo é identificar em que locais as infeções estão a aumentar, como se espalham e quando as autoridades de saúde precisam de implementar quarentena ou outras medidas de confinamento, como forma de limitar a disseminação da covid-19.

A Grã-Bretanha, Alemanha e Itália estão entre os países que consideram utilizar dados individuais de localização na luta contra a pandemia, uma medida que preocupa os defensores da privacidade, que temem que a vigilância omnipresente possa vir a ter uma utilização abusiva, na ausência de uma supervisão cuidadosa, com consequências potencialmente terríveis para a liberdade civil.

“Estes são tempos difíceis, mas que não exigem novas tecnologias não testadas”, disse um grupo de ativistas maioritariamente britânicos, numa carta aberta ao Serviço Nacional de Saúde do país, na qual acrescenta que essas medidas colocam em causa os direitos humanos e podem não funcionar.

As autoridades checas disseram hoje que vão usar os dados de operadoras móveis numa aplicação para telemóvel voluntária, no qual os movimentos das pessoas com resultados positivos do novo coronavírus vão ser mapeados, assim como as pessoas com quem se cruzaram nos últimos cinco dias, que serão contactadas individualmente por telemóvel para que sejam testadas.

O lançamento da aplicação está previsto para abril.  

Esta nova ferramenta marca um distanciamento substancial dos esforços existentes na União Europeia, que se concentram em seguir o movimento das pessoas com dados agregados de localização, projetados para não as identificar.

Na segunda-feira, o diretor do Instituto Superior de Saúde de Itália usou o exemplo do modelo sul-coreano de geolocalização, como forma de combater a epidemia, afirmando que os asiáticos “conseguiram identificar e isolar os sujeitos em risco e criaram aplicações que permitiram aos cidadãos conhecer áreas de maior trânsito de pessoas contagiadas, de maneira a evitá-las”.

“Estamos em guerra e devemos responder com todas as armas que temos”, afirmou então Gianni Rezza, ao jornal italiano La Stampa.

Ainda na semana passada, o Governo de Israel deu o passo mais extremo até agora, recorrendo à agência de segurança nacional Shin Bet para usar os dados de localização dos ‘smartphones’ para rastrear movimentos dos portadores do vírus nas duas semanas anteriores, utilizando dados dos históricos para identificar possíveis transmissões.

O esforço israelita e a recém-anunciada iniciativa da República Checa vão muito além do que os governos europeus estão a receber atualmente das operadoras de comunicação para identificar ‘hotspots’ da doença e concentração humana.

Embora existam salvaguardas legais na maioria das democracias para proteger a privacidade digital, o perigo da covid-19 pode rapidamente levar os legisladores políticos a modificá-las.

Na sexta-feira, a Autoridade Europeia para a Proteção de Dados aprovou a interrupção da privacidade durante a emergência de saúde pública.

A Polónia introduziu uma aplicação mais invasiva – as instruções dizem que é voluntário – para impor a quarentena de 14 dias para cerca de 80 mil pessoas.

Ainda assim, os defensores de privacidade estão preocupados que o Governo polaco a utilize para preencher um banco de dados com as fotografias localizadas geograficamente que obriga os utilizadores a tirar.

Os europeus estão a examinar atualmente o modelo sul-coreano de rastreamento, que envolve o uso de informações pessoais, como a imigração, transportes públicos e registos de cartão de crédito, além do rastreamento da localização por GPS.

O Governo de Seul divulgou tantos dados pessoais ostensivamente anónimos que detetives digitais foram capazes de identificar portadores do novo coronavírus com base em informações como os lugares que os pacientes visitaram antes de testarem positivo.

Algumas pessoas boicotaram negócios, estigmatizaram infetados e até usaram dados para rastrear supostas infidelidades conjugais.

Na sexta-feira, o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da Coreia do Sul disse estar a elaborar novas diretrizes para reduzir esses abusos.

Michael Parker, especialista em ética da Universidade de Oxford, no Reino Unido, referiu que as pessoas têm maior probabilidade de entrar em contacto com a aplicação se não foram coagidas, e quanto maior a participação maiores são as probabilidades de identificar os ‘hotspots’ e conter o vírus.

“Identificação e notificação podem ser feitas de forma anónima. Não seria preciso dizer às pessoas de onde surgiu a possível infeção”, afirmou.

Usar apenas os dados de localização das operadoras ‘wireless’ podem produzir muitos falsos positivos. Até mesmo os dados de GPS dos telemóveis são muitas vezes imprecisos e podem identificar incorretamente uma reunião entre estranhos, quando na verdade estão só no mesmo prédio, avisou Ashkan Soltani, antigo chefe de tecnologia da Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos.

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