A chefe da missão da Organização Internacional para as Migrações em Portugal reconhece o impacto da “suspensão temporária” do programa da ONU para a realocação de refugiados, mas, perante as consequências da pandemia da Covid-19, a decisão foi “necessária”.
Um dos efeitos da pandemia da Covid-19 e das consequentes restrições de entrada impostas por muitos países (reforço dos controlos fronteiriços ou mesmo o encerramento de fronteiras), na tentativa de impedir a propagação do novo coronavírus, foi o anúncio das Nações Unidas, na semana passada, da “suspensão temporária” do programa de realocação de refugiados.
Tanto o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) como a Organização Internacional para as Migrações (OIM) afirmaram na altura que, face ao atual cenário de pandemia, existiam “poucas opções” para prosseguir.
A par da suspensão, igualmente temporária, de programas de acolhimento de refugiados por certos países – como foi o caso da Alemanha -, as duas agências da ONU lembraram ainda que as viagens internacionais podiam aumentar a exposição dos refugiados ao vírus.
“Obviamente que iremos retomar os programas e continuar a dar apoio, até porque esta interrupção tem um impacto”, afirma em declarações à Lusa Marta Bronzin, que chefia a OIM Portugal desde 2010.
“Enquanto [a suspensão] for necessária e essencial” será mantida, reforçou a representante, admitindo, porém, ser difícil traçar uma previsão para o restabelecimento do programa.
Dias antes do anúncio desta suspensão, o ACNUR lançou um apelo de ajuda de emergência de 33 milhões de dólares (cerca de 29 milhões de euros) para proteger a população de refugiados face à propagação do novo coronavírus.
“O vírus pode afetar qualquer pessoa, é da nossa responsabilidade coletiva garantir que a resposta mundial inclua todos os indivíduos", disse, na altura, o Alto Comissário para os refugiados, Filippo Grandi.
Segundo a ONU, mais de 70 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a fugir das respetivas casas devido a conflitos, perseguições, violência e abusos, das quais mais de 25 milhões são refugiadas e cerca de 41 milhões são deslocados internos.
O ACNUR lembra que 84% dos refugiados vivem em países de baixo e médio rendimento, nos quais os sistemas de saúde, de fornecimento de água e de saneamento são muito precários.
Em outras declarações, Filippo Grandi apontou outra preocupação: “Neste contexto único de crise em que nos encontramos, todos os Estados devem gerir as suas fronteiras da forma que considerem mais apropriada. Mas, as medidas adotadas não devem levar ao encerramento das vias de asilo, nem forçar as pessoas a voltarem a situações perigosas”.
“Nestes tempos difíceis, não devemos esquecer aqueles que escapam da guerra e da perseguição. Hoje, mais do que nunca, eles precisam, como todos nós, de solidariedade e de compaixão”, reforçou o responsável pelo ACNUR.
Uma das situações que tem suscitado apreensão são os sobrelotados campos de processamento e de acolhimento de refugiados, também conhecidos como 'hotspots', nas ilhas gregas no mar Egeu, e o potencial risco de ocorrerem muitas mortes nestes locais por causa da Covid-19.
A preocupação aumentou após a confirmação de um primeiro caso de infeção entre os residentes da ilha de Lesbos, onde fica o campo de refugiados de Moria.
Na segunda-feira, os eurodeputados da comissão de Liberdades Civis do Parlamento Europeu pediram à Comissão Europeia “uma resposta europeia imediata” de forma a evitar que a crise humanitária nas ilhas gregas se transforme num problema de saúde pública, com o risco de muitas mortes.
Os parlamentares defendem, entre outras medidas de um plano de ação, “a evacuação preventiva urgente dos campos sobrelotados”, nomeadamente a retirada da população de risco (pessoas com mais de 60 anos e pessoas com problemas respiratórios, diabetes e outras pré-condições de saúde).
Segundo frisaram os eurodeputados, muitos destes campos (que albergam um total de cerca de 42 mil pessoas) já estão numa situação sanitária precária e, apesar das medidas tomadas pelas autoridades gregas, “a sobrelotação e as terríveis condições de vida dificultam a contenção da Covid-19”.
“Não há hipótese de isolamento ou de distanciamento social, nem é possível garantir condições higiénicas apropriadas. (…) Existem apenas seis camas de cuidados intensivos na ilha de Lesbos (…) e o equipamento de saúde necessário não está atualmente disponível nas ilhas”, acrescentaram os representantes, numa carta enviada ao comissário europeu para a Gestão de Crises, Janez Lenarcic.
A par de uma maior cooperação entre os sistemas de saúde dos Estados-membros da União Europeia (UE) e recursos financeiros adicionais para aumentar a capacidade de hospitalização e de cuidados intensivos nas ilhas, os eurodeputados defenderam ainda que a realocação de refugiados, em particular das crianças, “não deve ser colocada em espera devido à pandemia”.
Portugal é um dos países da UE que aceitou acolher crianças migrantes que estão desacompanhadas nas ilhas gregas.
Entre os cerca de 42 mil migrantes retidos nestas ilhas, estima-se que cerca de 5.500 são menores desacompanhados.
“Não existirá um controlo verdadeiro do surto da Covid-19 sem medidas preventivas para todos, incluindo os requerentes de asilo”, frisaram os eurodeputados.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 345 mil pessoas em todo o mundo, das quais mais de 15.100 morreram.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.