SAÚDE QUE SE VÊ

Futuro vai tornar estetoscópio digital e passá-lo para a mão do doente – investigador

Lusa
11-09-2025 07:02h

O especialista em inteligência artificial na saúde Guilherme Hummel defende que o maior sinal da autonomia que o paciente ganhará no futuro é o estetoscópio tornar-se digital e passar da mão do médico para a do doente.

Em entrevista à Lusa, o investigador brasileiro sublinha que a Inteligência Artificial (IA) vai melhorar o acesso aos cuidados de saúde e dar mais autonomia ao doente, e deixar ao médico o papel de educador.

“Mais do que um curador, o médico do futuro vai ser educador”, afirma.

Com as urgências pressionadas com casos não urgentes de utentes que, ou lhes falta literacia, ou resposta nos cuidados de saúde primários, o investigador defende que a telemedicina, que ganhou dimensão com a pandemia de covid-19, deveria evoluir, pedindo que regresse o peso que as teleconsultas tinham então.

Estima que, no futuro, a autonomia do doente vai colocar-lhe nas mãos o instrumento símbolo do médico: o estetoscópio. “Na primeira triagem, o que é que o médico faz? Ele mede os sinais vitais, o que é perfeitamente possível com dispositivos digitais, à distância”.

Pede igualmente mais educação em saúde para toda a população e diz que, a médio/longo prazo, não terá qualquer nexo uma criança de sete anos não saber nada sobre o seu aparelho reprodutor, ou sobre obesidade, “mas saber os afluentes dos rios”.

“A Grã-Bretanha obrigou todas as escolas desde a primeira infância a ter saúde básica”, exemplificou, defendendo que só com mais literacia em saúde se pode evoluir para o desejável autocuidado.

A este nível, estima que no futuro as pessoas serão obrigadas a participar em determinados programas de saúde para ter acesso ao sistema: “Se você é obeso, hipertenso e fumador, porque vamos todos nós pagar a conta?”

“Esse novo mutualismo vai ter em consideração a curva demográfica, que está a deixar falidos os serviços de saúde no mundo inteiro”, afirma.

Questionado sobre o perigo de elitismo na escolha do acesso aos cuidados de saúde, responde: “O risco existe, mas temos de escolher o risco. O atual é o da proliferação desenfreada de patologias que não se conseguem curar e sobrecarregam os sistemas de saúde”.

Sobre escolhas em saúde, exemplifica: “Hoje em dia, entrando num auditório, já não tem mais sinal de proibido fumar. As pessoas já sabem que não se pode. Foi a sociedade que escolheu”.

“A mesma coisa vai acontecer com a inteligência artificial e a prática médica”, afirma, sustentando que, para o médico do futuro, está guardado “um maior papel e o mais difícil da civilização moderna: a literacia da humanidade. “O médico vai ser um educador e não curador”.

Diz que o utente do futuro “não vai mais procurar o médico por causa de um problema que desconhece, mas [como leva consigo a informação do seu agente de saúde virtual] vai procurar um médico porque este é capaz, com empatia, doçura e ética, alfabetizar a sociedade”

Avisa que o médico do futuro não precisará mais de estar 10 anos na faculdade: “não vai conhecer outra coisa que não seja o digital e vai fazer medicina em três ou quatro anos”.

“Grande parte do conhecimento médico não está na academia, está fora. (…) Na academia aproveita conhecimento, cognição dos mestres, ética e bioética”, acrescenta.

Ainda há habilidades que a Inteligência Artificial vai demorar a conseguir – como as de um cirurgião, “isso é trabalho de artesanato” -, e que estamos numa fase de transição quanto à IA em que não se devem procurar certezas, mas sim “testar e errar”.

Terminada a fase de transição, se o utente quiser ainda ser visto pelo seu médico, essa ligação vai continuar “enquanto médico e paciente viverem”.

“Se houver então paciente que ainda prefere ser atendido pelo seu médico de família, é natural, isso acontecerá, e ele vai cobrar mais caro”, afirmou, comparando: “não há gente que ainda gosta de ouvir disco de vinil?”.

O especialista vai participal, dia 18 de setembro, numa conferência sobre IA na saúde, que decorrerá em Lisboa, no auditório dos Serviços Sociais da autarquia.

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