A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) apelou hoje à proteção dos profissionais de saúde e unidades sanitárias contra a violência em Cabo Delgado, admitindo uma redução "forçada" das atividades e 50% das infraestruturas afetadas naquela província moçambicana.
"Quase oito anos de conflito no norte de Moçambique já causaram um enorme impacto na população que vive na província, onde estão deslocadas mais de 400 mil pessoas. Os conflitos e a insegurança levaram à redução forçada das atividades médicas e limitaram a circulação dos profissionais de saúde e das comunidades nas zonas afetadas", lê-se num comunicado dos MSF.
A província de Cabo Delgado, situada no norte de Moçambique, rica em gás, enfrenta desde 2017 uma rebelião armada, que provocou milhares de mortos e uma crise humanitária, com mais de um milhão de pessoas deslocadas.
"Em 2025, a MSF foi obrigada a suspender as atividades de extensão por cinco vezes devido à insegurança, durante pelo menos duas semanas seguidas, especialmente em Macomia e Mocímboa da Praia. Isto deixou milhares de pessoas sem acesso a cuidados de saúde e colocou em risco a continuidade dos cuidados aos doentes", explica.
"As limitações – e, por vezes, a incapacidade – de prestar cuidados devido a este contexto volátil têm um impacto profundo na comunidade. Isto é evidente nos nossos dados médicos: em abril, as nossas equipas em Mocímboa da Praia realizaram 12.236 consultas externas. Em maio, com a intensificação dos incidentes, este número desceu drasticamente para 1.951", avançou.
De acordo com a posição daquela Organização Não-Governamental (ONG), desde o início do conflito, mais de 50% das instalações de saúde da província foram total ou parcialmente destruídas, "situação agravou-se ainda mais quando o ciclone Chido atingiu o sul de Cabo Delgado, no final do ano passado".
Recorda igualmente que, em maio de 2024, a cidade de Macomia foi atacada por um grupo armado "obrigando os MSF, bem como outras organizações humanitárias, a interromper ou suspender as atividades" naquela zona de Cabo Delgado.
"Conseguimos retomar gradualmente as operações em abril de 2025, mais de um ano após o ataque, apenas uma unidade de saúde está em funcionamento no distrito, em comparação com os sete centros que funcionavam anteriormente", avança.
"Com o aumento das deslocações, muitas pessoas procuraram refúgio em Macomia, sobrecarregando o único centro de saúde em funcionamento”, disse Emerson Finiose, médico da organização em Macomia, citado no documento, acrescentando que há dificuldades em fazer encaminhamentos médicos, o que obriga a priorizar apenas os casos mais graves, "deixando uma lacuna significativa no atendimento ao resto da comunidade".
"A situação em Macomia ilustra a fragilidade do sistema de saúde em Cabo Delgado, um padrão que se repete nos outros três distritos onde a MSF está presente: Mocímboa da Praia, Mueda e Palma", refere-se.
Os Médicos Sem Fronteiras alertam ainda que muitas unidades de saúde na província estão inoperacionais devido à ausência de profissionais de saúde, sendo que muitos serviços são frequentemente suspensos ou reduzidos, "especialmente em áreas de difícil acesso", e muitas das unidades em funcionamento têm recursos insuficientes ou estão localizadas demasiado longe para que muitas pessoas possam aceder em segurança.
Os MFS apontam que os recentes cortes na ajuda humanitária continuam a "agravar" a situação em Cabo Delgado, ilustrando um "problema global mais vasto".
As novas movimentações de extremistas no norte de Moçambique incluem Niassa, província vizinha de Cabo Delgado, onde, desde a sua eclosão em 29 de abril, provocaram pelo menos a morte de dois guardas florestais que foram decapitados.