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Investigadores criam modelo de aprendizagem automática que prevê risco de mortalidade para doentes com AVC

LUSA
03-07-2025 18:01h

Investigadores desenvolveram em Portugal um modelo de aprendizagem automática que, apesar das suas limitações, conseguiu prever com uma precisão de 98,5% o risco de mortalidade para doentes que sofreram um Acidente Vascular Cerebral (AVC).

O trabalho, publicado em março na revista científica Neuroscience Informatics, mas só agora divulgado à imprensa, foi realizado por uma equipa de investigadores da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e da Universidade do Algarve (UAlg).

O modelo de aprendizagem automática (uma das aplicações da inteligência artificial) foi desenvolvido com dados clínicos de 332 doentes com AVC internados no Hospital de Faro entre 2016 e 2018, tendo identificado 24 fatores de risco para a mortalidade pós-AVC.

Dos 332 doentes incluídos na análise, 58 morreram poucos dias após o AVC, enquanto os restantes tiveram alta hospitalar ou foram transferidos para outras unidades.

Um dos autores do trabalho, Nuno António, docente e investigador da Nova IMS, escola de gestão de informação e de ciência de dados da UNL, defendeu, em declarações à Lusa, que o modelo criado é robusto, uma vez que "conseguiu prever corretamente o desfecho de morte em 98,5% dos casos" a partir de 80 variáveis clínicas, laboratoriais e sociodemográficas.

"Os restantes 1,5% que não conseguiu podem dever-se a situações de variabilidade biológica imprevisível, informação apenas disponível em variáveis que não estão incluídas no modelo ou mesmo por limitações deste tipo de modelos", afirmou Nuno António, reconhecendo que, apesar de corresponder à totalidade de casos de AVC admitidos no Hospital de Faro no período em análise, a amostra tem uma "dimensão limitada" e é de uma "única região".

"Mais casos podem ser úteis para validar os resultados", disse o investigador, assinalando que "futuros estudos multirregionais e com dados mais recentes são necessários para reforçar a generalização dos resultados".

Nuno António assumiu que "é possível que existam diferenças regionais, por exemplo no perfil de comorbilidades, hábitos de vida ou acesso a cuidados de saúde", pelo que "a extensão a outras regiões ou ao país inteiro exigirá validação externa e adaptação do modelo a novos dados".

Ainda assim, ressalvou que os principais fatores de risco de mortalidade pós-AVC identificados pelo modelo de inteligência artificial, como a gravidade do AVC na admissão hospitalar, nível de glicemia, idade, estado de consciência, hemoglobina e frequência respiratória, "são reconhecidos na literatura como fatores clássicos e intemporais".

Apesar de o modelo ter limitações, conseguiu, segundo Nuno António, "identificar precocemente os doentes com maior risco de morte, orientando a prioridade na triagem e alocação de recursos" e sugerindo "quais os parâmetros clínicos que merecem maior atenção".

"Por exemplo, um doente com AVC grave e glicemia muito elevada poderá ser monitorizado de forma mais intensiva", ilustrou, reforçando que o modelo de aprendizagem automática criado "só por si não evita as mortes", mas "permite identificar com maior rapidez e precisão os doentes em risco", possibilitando "intervenções mais rápidas, melhor direcionamento dos cuidados e monitorização intensiva precoce".

Questionado sobre o risco de as decisões dos médicos se basearem ou ficarem demasiado dependentes de previsões feitas por uma máquina, Nuno António clarificou que "o objetivo do modelo não é substituir a decisão médica, mas suportar o processo clínico, disponibilizando informações adicionais para triagem e planeamento terapêutico".

"O modelo consegue analisar em segundos dezenas de variáveis e identificar padrões complexos que podem não ser óbvios à análise humana, gera previsões consistentes e quantitativas, reduzindo o risco de erro por fadiga ou subjetividade", elencou, destacando, ainda, o facto de o modelo de aprendizagem automática desenvolvido "permitir a interpretação dos resultados da previsão".

"Isto significa que o médico pode compreender a razão subjacente a cada previsão do modelo, evitando dependência cega do modelo", reforçou o docente, exemplificando que o modelo criado apresenta, para cada doente, "quais as variáveis que mais pesaram no resultado", como a gravidade do AVC e o nível de glicemia, gráficos que "mostram o impacto de cada variável na previsão final" e regras que indicam "combinações de condições que levaram ao desfecho previsto".

Para desenvolver este modelo de aprendizagem automática, a equipa da UNL e da UAlg teve em conta variáveis clínicas como a gravidade do AVC à entrada na unidade hospitalar, o tipo de AVC, a existência de infeções respiratórias ou urinárias durante a hospitalização e a necessidade de trombólise (tratamento para dissolver coágulos sanguíneos) ou trombectomia (remoção de coágulos sanguíneos).

Nas variáveis laboratoriais foram incluídos, nomeadamente, os níveis de hemoglobina, glicemia, sódio, potássio, troponina I (proteína do músculo cardíaco) e alanina transaminase (enzima do fígado), enquanto as variáveis sociodemográficas englobaram itens como idade, sexo e apoios sociais como rendimento social de inserção.

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